Para os jogadores estrangeiros, Super Bowl é ‘coisa de outro mundo’ !
10 min readThomas Neumann, ESPN.com*
Há muito tempo, o Super Bowl tem sido um ícone cultural permanente nos EUA. Mas, a cada ano, e cada vez mais, o maior jogo da América desperta o interesse internacional. O Super Bowl LI de domingo, em Houston, será transmitido em mais de 170 países e em mais de 20 idiomas. Pensando nisso, nós falamos com quatro jogadores aposentados da NFL com um histórico internacional para compartilharem suas experiências de Super Bowl.
- Osi Umenyiora, do Super Bowl XLII e XLVI
Osi Umenyiora nasceu em Londres e morou lá até os sete anos de idade, quando sua família mudou-se para a Nigéria, país natal de seu pai. Ele não conhecia o futebol americano até mudar-se para os EUA, aos 14 anos, quando entrou para o time do Auburn High, no Alabama. Aprendeu rápido e ganhou bolsa de estudos para jogar pela Universidade Troy, onde desenvolveu suas aptidões altamente cobiçadas de pass-rushing.
Os Giants escolheram o jogador de defesa de 1,92 m e 127 kg na segunda rodada do Draft de 2003, e ele alcançou o “All-Pro honors”, a eleição dos melhores, em sua terceira temporada. Em seu quinto ano, a franquia chegou ao Super Bowl XLII de forma mágica, onde era “azarão” contra os invencíveis New England Patriots.
A final apresentou uma das jogadas mais famosas da história da NFL, quando o quarterback dos Giants, Eli Manning, quase confundiu o pass rush do Patriots e lançou para o wide receiver, David Tyree, que de alguma forma pegou a bola com uma mão, pressionando-a contra o capacete enquanto estava sendo atacado. Infelizmente para Umenyiora, ele não viu o resultado dessa inexplicável jogada quando ela aconteceu.
“Vi quando eles agarraram o Eli, e eu sabia que não poderíamos aguentar”, disse Umenyiora. “Então, assim que eu vi que eles o tinham agarrado, abaixei minha cabeça e pensei: ‘Cara, acabou’. De repente, escuto a multidão indo ao delírio. Olhei para cima e vi Tyree chegando com a bola. Pensei ‘ele deve ter pego a bola’. Eu não sabia o que tinha acontecido até ver o replay e, só assim fui à loucura”.
Momentos depois, após os Giants garantirem a vitória de 17 a 14, Umenyiora estava estupefato com o resultado do time.
“Acho muito difícil de explicar, pois isso é algo que vemos na TV, que você ouve falar”, disse Umenyiora. “De repente, você está lá, e isso está acontecendo com você. É quase um sonho. Lembro-me do meu primeiro Super Bowl: por cerca de uma hora, sem exagerar, eu estava em transe. E não sabia o que tinha acontecido. Eu não sabia o que estava rolando. Eu não sabia onde eu estava. Era quase como se eu estivesse assistindo a isso acontecer com outra pessoa. Foi uma experiência surreal”.
Umenyiora, dos Giants, que incomodou os Patriots novamente no Super Bowl XLVI, agora mora em Londres e trabalha como um embaixador para a NFL. Ele também atua como comentarista de futebol americano para a BBC.
- Ben Graham, Super Bowl XLIII
Durante uma carreira de 12 anos nas regras do futebol australiano com o Geelong Cats, Graham manteve contatos no mundo do futebol americano.
Ele aposentou-se da AFL em 2004 e foi para os EUA na esperança de conseguir um trabalho como punter da NFL. Assinou contrato com o New York Jets em 2005 e, aos 31 anos, se tornou o novato mais velho a começar uma temporada em uma lista ativa da NFL, quebrando o recorde de Vince Papale que, em 1976, estreou no Philadelphia Eagles e teve a sua história narrada no filme “Invincible”.
Após passar suas três primeiras temporadas da NFL com os Jets, a campanha de 2008 tornou-se uma verdadeira aventura. Ele foi dispensado duas vezes pelos Jets e uma vez pelo New Orleans Saints antes de se tornar popular com o Arizona Cardinals, na semana 13.
Os Cardinals montaram um poder de fogo ofensivo de Kurt Warner, Larry Fitzgerald e Anquan Boldin e conseguiram, pela primeira vez na história da franquia, uma vaga do Super Bowl. Graham, o primeiro australiano a chegar ao grande jogo, foi escolhido como um dos 10 jogadores a ter sua própria cabine no media day. Graham achou a seleção um tanto quanto desconcertante, mas aproveitou a oportunidade para compartilhar sua história.
Quando chegou o dia do jogo, Graham disse que ficou sem reação quando saiu do túnel e entrou no estádio em Tampa.
“Foi o momento mais surreal que já tive”, disse ele. “O segundo momento mais surreal que já tive foi sair do túnel no intervalo, tentar me aquecer no campo antes de começar o segundo tempo e dar de cara com o show de Bruce Springsteen. Ganhei um lugar na primeira fila.”
O jogo se tornou um dos mais emocionantes da história do Super Bowl, mas os Cardinals perderam por 27 a 23 para o Pittsburgh Steelers.
“Eu já disse umas 100 vezes e direi até o dia que eu morrer, dada toda jornada pela qual eu passei, o resultado daquele jogo realmente não importou”, disse Graham. “O fato de termos ganhado o jogo a final da NFC foi como se tivesse sido nosso próprio Super Bowl, pois o Arizona nunca tinha passado por uma experiência como aquela antes. Sim, eu decepcionei naquele dia, mas com certeza não guardo nenhuma frustração ou mágoa ou qualquer coisa sobre ter perdido, porque era um ano e um dia muito especial.”
Para Graham, não era a primeira aparição ou derrota em um grande jogo de um campeonato profissional. Em 1995, sua terceira temporada na AFL, seu clube, o Geelong, perdeu na grande final.
“Tudo relacionado a isso (a grande final) é fantástico… Mas você realmente compreende que os EUA é um país muito maior”, disse ele. “Há o dobro de times. Muito mais dinheiro, e o público da TV é gigantesco. Então, para compará-los, ambos são o ápice dos esportes, mas, baseado na magnitude dos dois países e dos dois esportes, o Super Bowl, como evento, é surpreendente. Eu digo isso com todo respeito à grande final da AFL, porque eu cresci jogando e ainda amo isso.”
Hoje, Graham trabalha em operações para o campeão da AFL, Western Bulldogs, e ainda segue bem de perto a NFL . Ele participa de quatro ligas de fantasy da NFL e assiste ao máximo de jogos possíveis para acompanhar as façanhas dos seus ex-companheiros de time.
- Martin Gramatica, Super Bowl XXXVII
Nascido em Buenos Aires, na Argentina, Gramatica tinha nove anos quando sua família mudou-se para La Belle, na Flórida. Ele era tão apaixonado por futebol que nem tinha cogitado jogar futebol americano até o último ano do ensino médio. Jogou em times de soccer em Fort Myers e, de forma relutante, aceitou um convite para chutar pelo time principal do La Belle High em seu último ano.
“Eu nem sabia as regras”, disse Gramatica. “Depois do meu primeiro ponto extra, fui sentar. Alguém me disse: ‘Você sabe que tem um kickoff agora, não sabe?’. Eu não tinha ideia que teria que dar o chute inicial depois do ponto extra.”
Gramatica tinha uma ótima perna, boa o bastante para ganhar uma bolsa de estudos da Universidade Estadual de Kansas. Ele foi selecionado na terceira rodada do Draft de 1999 pelo Tampa Bay Buccaneers.
O Tampa Bay, um time constante nos playoffs na época, se classificou para a grande final na quarta temporada de Gramatica. Quando o time dos Buccaneers desceu do ônibus no Qualcomm Stadium, em San Diego, no dia do jogo, Gramatica viu as logomarcas do Super Bowl XXXVII em toda parte e começou a perceber a seriedade do momento. Então, quando o Buccanners entraram em campo para o aquecimento, a ansiedade realmente apareceu.
“Provavelmente, foi o pior aquecimento da minha carreira”, disse. “Eu não conseguia acertar a bola, e não conseguia acreditar. Pensava: ‘Isso não pode estar acontecendo, justo agora eu não consigo acertar a bola no dia mais importante da minha carreira’. Com sorte, tudo correu bem no jogo. Tirei todos os meus piores chutes do caminho no aquecimento.”
De fato, Gramatica jogou de forma impecável. Ele acertou ambas as tentativas de field goal e todos os seus seis pontos extras à medida que o Tampa Bay derrotava os Raiders por 48 a 21. Gramatica saboreia suas memórias daquela temporada, mas disse que a semana do Super Bowl foi um imenso turbilhão, difícil até de ser relembrado.
“Quando as pessoas me perguntam o que eu me lembro sobre o Super Bowl, só penso que tudo aconteceu tão rápido”, disse Gramatica. “É como um borrão. Não me lembro de muita coisa. Mas me lembro da jornada, de todos os jogos, de toda a temporada, de como o time era próximo e unido.”
Gramatica, cuja carreira na NFL durou até 2008, hoje mora em Tampa e dirige uma instituição de caridade que constrói casas para veteranos de guerra feridos em combate. Ele também treina seus três filhos no futebol juvenil.
- Raul Allegre, Super Bowl XXI
Allegre cresceu jogando futebol em Torreon, Coahuila, no México. Ele conhecia o futebol americano, mas não acompanhava até ir para Shelton, Washington, como um estudante de intercâmbio do ensino médio. O Shelton High não tinha um time de futebol em 1977, então Allegre pesquisou sobre o futebol americano, antes de saber que ele não tinha tamanho ou o entendimento do jogo para jogar na maioria das posições.
Mas quando Allegre viu um lineman sofrendo ao tentar field goals, ele pediu um teste, mesmo nunca tendo chutado uma bola de futebol americano antes. Ele acertou todas as tentativas, incluindo uma de 55 jardas. Não é preciso dizer que entrou para o time. Ele persistiu para ganhar uma bolsa de estudos da Universidade de Montana e depois foi transferido para a Universidade do Texas, onde entrou na mira dos olheiros da NFL.
Allegre fez sua pré-estreia em 1983 com o Baltimore Colts e jogou mais duas temporadas com o time depois de ser realocado para Indianápolis. Ele liderou os Colts ao pontuar em todas as três temporadas, mas foi dispensado na noite da temporada de 1986.
Isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido em sua carreira. Ele assinou contrato com o New York Giants e ganhou uma viagem para o Super Bowl XXI em sua primeira temporada com o clube. Quando os Giants e o Denver Broncos se encontraram com a mídia no Rose Bowl, na terça-feira antes do jogo, o evento estava muito longe do circo de hoje conhecido como “Noite de abertura do Super Bowl”.
“Na época, era chamado de photo day, o dia da foto”, disse Allegre. “Nós estaríamos lá em nossos uniformes e tiraríamos uma foto do time em frente ao estádio. Me lembro que Mark Bavaro (tight end dos Giants) não gostava de falar com a mídia e ele se recusou a dar entrevista. Ele disse: ‘Me disseram que era o dia da foto. Eles não falaram que era um dia com a mídia’.”
Allegre lembra de jogar golfe com seus companheiros de time Lawrence Taylor e Jeff Rutledge poucos dias antes do jogo, onde os Giants ganhariam por 39 a 20 do Denver Broncos. Mas aquela vibe descontraída mudou significativamente para Allegre quando ele entrou no campo para o aquecimento do pré-jogo.
“Eu estava tão enérgico, quase hiperventilando”, comentou Allegre. “Eu não conseguia chutar um ponto extra, de tão acabado que estava”.
A adrenalina começou a bombear novamente quando Allegre liderou o time no campo e fez o kickoff da abertura.
“Eu fui o primeiro jogador a sair daquele túnel”, disse ele. “Só o estrondo da multidão, porque era a torcida do New York Giants lá em Pasadena, já foi incrível. Senti como se estivesse flutuando e foi uma experiência inacreditável… O momento em que levantei as minhas mãos para sinalizar que estava pronto, o estádio inteiro explodiu. Houve um estrondo imenso e eu estava pensando: ‘Só não chute a bola para o lado errado’. Foi uma experiência incrível, só de saber que há muitos olhos focados em você”.
Allegre atualmente mora em Austin, no Texas, e tem trabalhado como locutor para a ESPN desde 2002. Ele fará parte da transmissão internacional da rede em espanhol do Super Bowl LI no domingo.
*Thomas Neumann é repórter do ESPN.com. O texto original, em inglês, pode ser encontrado em “For these foreign-born players, Super Bowl was out of this world”.