19/04/2024

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Ela perdeu duas Olimpíadas por doping. Agora, tenta recomeçar e mira Tóquio-2020.

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Antônio Strini, do ESPN.com.br.

GAZETA PRESS

Simone Alves após superar o recorde sul-americano dos 5 mil metros em 2011
Simone Alves após superar o recorde sul-americano dos 5 mil metros em 2011

Em 2011, Simone Alves da Silva despontava no atletismo brasileiro.

Depois de quebrar o recorde sul-americano nos 5 mil metros em maio (15min18s85), ela pulverizou a melhor marca do continente nos 10 mil metros no Troféu Brasil de agosto, 31min16s56, baixando em mais de 30s o tempo de Carmem de Oliveira obtido 18 anos antes. Assim, a baiana de Morro do Chapéu era o mais novo nome a ser visto no esporte nacional.

No entanto, às vésperas do Mundial de Daegu (Coreia do Sul), Simone Alves desistiu de competir alegando lesão, mas poucos meses depois foi flagrada no exame antidoping por uso de EPO, a eritropoietina recombinante, que aumenta a produção de glóbulos vermelhos e consequentemente o desempenho de um atleta – por isso, é uma substância proibida.

Além do Mundial, ela perdeu os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, o recorde sul-americano dos 10 mil metros e o contrato com o Clube de Atletismo BM&FBOVESPA.

Reincidente (havia dado positivo em outro exame e suspensa por 90 dias em 2010), a atleta foi banida pela Corte Arbitral do Esporte (CAS) em 2013 por cinco anos.

Como a punição começou a valer a partir da suspensão provisória por parte da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) em outubro de 2011, Simone Alves da Silva está afastada até o mesmo mês deste ano. Assim, depois de perder os Jogos de Londres, ela também ficará de fora da Olimpíada do Rio de Janeiro.

“Comecei a correr em 1970, eu tinha nove anos. De lá para cá, sempre tive minha vida envolvida com atletismo. Eu tive dois problemas na minha vida como atleta e treinador com relação ao doping: o primeiro com a Simone, o segundo com a Simone. Só”, disse Adauto Domingues, técnico da atleta até o segundo exame positivo, ao ESPN.com.br.

O treinador, que a ajudou na defesa do primeiro caso, acreditava na inocência. Até que, segundo ele, Simone mudou seu comportamento e sua versão da história.

“Em 2010 aconteceu pela primeira vez, acreditei que ela era inocente. É uma situação complicada de você lidar. Eu que fiz a defesa dela, porque realmente acreditei. No primeiro doping, ela disse que tomava um remédio para dor de dente, e acreditei realmente porque ela tinha muito problema (de saúde) mesmo, e por isso a defendi. Daí ela pegou três meses. Na segunda vez, já não acreditei”.

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“Ela me contou uma versão no começo, passou alguns dias e eu falei: ‘Vamos juntos, você vai pagar sua pena, mas eu quero que você me diga quem está te ajudando a fazer essas coisas’. Não acredito que ela tenha pensado nisso sozinha. Achei que tinha alguém, e eu queria pegar esse caboclo. Mas ela não disse o nome”, contou Adauto, técnico de Marilson Gomes dos Santos, maratonista quinto colocado nos Jogos Olímpicos de Londres há quatro anos.

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Simone Alves no pódio da São Silvestre de 2010: segunda colocação
Simone foi 2ª na São Silvestre de 2010

“Da primeira vez que ela me falou, chorou e parecia até que ela queria falar alguma coisa, mas três dias depois ela mudou completamente. Mudou a história, disse que era inocente, e eu senti que tinha dolo, má-fé. E então falei: ‘Acabou, minha filha. Se no início eu achei que você fosse vítima de alguma coisa, do sistema, de alguém, agora já não acho mais’ e abri mão”.

“Da segunda vez, eu lembro que ela chorou e me passou a imagem de ter feito algo errado. Ela não me confessou, mas passou a imagem. Falei que estaria ao lado dela, mas então disse: ‘Me diga quem te passou isso tudo’. Falei e continuo falando: na época, se ela tivesse falado alguma coisa, estaria com ela até hoje. Eu disse também: ‘Se meu filho errar, ele vai pagar, vamos estar juntos, e depois volta. Aprende com erro’. Mas vi que não era essa a história”, disse.

Desde então, Adauto não falou mais com sua ex-pupila. “Não tenho mais contato. Eu senti má-fé e até tentei conversar com ela de novo, com o marido, e eles me passaram a imagem de uma coisa, mas depois começaram mudar, teve certa prepotência. Eu disse para ela: ‘Só vou fazer o seguinte: não vou te prejudicar em nada, mas não vou mais te ajudar'”, contou.

“Não é só um atleta meu dopado, mas é o sentimento de eu ter falhado em algum momento e não conseguir resgatar uma pessoa, como eu já fiz com outras atletas que não chegaram ao top”, revelou o treinador da BM&FBOVESPA.

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Ele foi o principal apoiador da carreira do jovem vinda do Morro do Chapéu. “Eu dava treinos em Santo André, e ela apareceu, como muitos outros casos. Bem humilde, começou a trabalhar conosco, alternou alguns progressos e declínios durante umas semanas. Num período eu trabalhava numa assessoria esportiva na USP e aos sábados levava os corredores para treinar lá. Ela começou a render bem, mas depois caía. Um dia, um atleta me puxou de lado e me falou: ‘Seguinte, a Simone mora em São Mateus e só tem dinheiro para a passagem de ida. Para ela poder treinar bem, ela vem de ônibus e volta andando, da USP para São Mateus’. E aí você começa a pensar como é muito difícil isso, e eu não sabia. Daí vinha a queda de rendimento”, lembra.

“Comecei a procurar alguma forma de ajuda-la. Então a colocamos em um clube de São Bernardo para dar uma renda, e a vida dela foi mudando radicalmente. Ela morava num local com a irmã, depois foi morar com o então namorado (hoje marido) e então, com a renda, começou a viver em função disso. Também ficou um tempo aqui em casa, e depois tocou a vida dela. E essa melhora de vida dela nunca me fez desconfiar de coisa nesse sentido. Mas depois aconteceu tudo isso”, lamenta.

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Adauto Domingues garante que Simone Alves poderia conseguir voos mais altos mesmo sem os problemas de doping, mas a rápida evolução da ainda recordista sul-americanos dos 5 mil metros deixa a incerteza: “Eu vou ser bem sincero: hoje, se você me perguntar, acho que ela estava tomando essas porcarias, por isso não trabalho mais com ela. Na minha cabeça, não sei até onde ela poderia chegar. Eu sei da vida dela, o que ela passou e tinha potencial para ter ido longe. Agora, se você me perguntar, se ela realmente iria até onde ela foi, te digo: não sei. Fica a dúvida. Por isso que todos os treinos que eu tinha armazenado dela eu joguei fora. Não sei onde era realmente ela ou com qualquer porcaria”.

O treinador, que hoje treina Juliana Gomes dos Santos (esposa de Marilson e atleta dos 5 mil metros), explica também qual era o plano de carreira para a meio-fundista após 2011. “Ela tinha uma capacidade muito boa. Eu pensava que em Londres-2012 ela competiria mesmo nos 5 mil e nos 10 mil metros, mas agora já estaria com 31 anos. Seria uma idade boa para estar fazendo maratona. Ela estaria correndo abaixo de duas horas e 30 minutos, certeza disso, e faria sem qualquer besteira. Estaria aí, brigando, tinha essa possibilidade, até mais do que o Marilson. Acho que ela estaria brigando para ficar entre as dez primeiras da maratona”, elogiou.

O RETORNO

Simone Alves está preparando sua volta às pistas. Como a suspensão acabará em outubro, ela estará apta a participar de competições após cinco anos.

Ao ESPN.com.br, a atleta reconhece sua decepção por estar fora da Olimpíada no Rio.

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Simone Alves ao bater o recorde sul-americano dos 10 mil metros: marca cassada
Ela teve recorde sul-americano dos 10 mil metros cassado e recebeu cinco anos de suspensão

“Nossa, muito ruim. E é ano olímpico, ainda mais! Por que quem não quer participar? Choro até hoje quando vejo as corridas na TV. Mas uma coisa boa aconteceu: o nascimento do meu filho Carlos Henrique. Hoje ele tem dois anos, então preencheu meu coração um pouco, mas continuei treinando para não ficar mais triste. Hoje vejo que está muito perto para mim, é como estar treinando para a Olimpíada, porque você sente que está bem… E tenho hoje alguém para me motivar: meu filho”, falou.

Simone, ao que parece, ainda segue o plano desenhado por Adauto: está se preparando para correr a maratona: “Vou me dedicar mais em meia maratona e 10 mil metros. No ano que vem meu treinador quer que eu corra uma maratona fora do país. Como não tenho clube, essas provas curtas – como 5 mil e 10 mil – vou fazer pouco. Em outubro voltarei numa meia, vamos ver como será. Estou um pouco ansiosa, claro, muito tempo sem correr, mas vamos lá. Confiança”.

Sua meta, agora, é disputar os Jogos de Tóquio, daqui a quatro anos. “Vamos pensar agora em 2020, na maratona. Acredito que daqui até lá estarei pronta para corrê-la”, admitiu.

Ao ser informada de que seu ex-técnico faria parte da reportagem, a atleta foi direta: “Entendo o lado dele. Mas ele é uma boa pessoa, não posso dizer que não foi bom treinando com ele. Aprendi muito com ele”.

“Eu sei que ela está treinando de novo e bem, alguns já me disseram”, falou Adauto. “Tenho muito carinho por ela por causa de tudo que ela passou. Às vezes fico com pena e raiva. Ela ficou aqui em casa, me ajudava, ajudava minha esposa. A condição de ela ficar aqui em casa era estudar, e ela se formou. Eu lembro que no dia em que ela se formou no segundo grau chorou, e isso foi muito emocionante. E o jeito de ela falar, simplório… Tudo isso é cativante. São coisas muito duras. Eu não queria que ela ficasse mal. Mas eu não gostei da mudança de comportamento, não sei se ela se sentiu acuada por outras pessoas”, declarou.

Questionado sobre como será caso reencontrá-la, como é possível a partir de outubro em qualquer competição de atletismo, o treinador respondeu: “Vou sem bem honesto: se ela estiver limpa, vou torcer para que ela consiga resultados, vou ficar alegre. Mas eu jamais trabalharia de novo com ela”.

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