19/04/2024

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Brasileiro encara ondas gigantes, convive com medo e quer maior valorização: “Arriscamos nossas vidas”.

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Brazilian big wave surfer Pedro Calado drops a wave off Praia during the first edition of the World Surf League's Nazare Challenge on December 20, 2016. / AFP / FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Gustavo Setti e Rafael Belattini, para o ESPN.com.br

FRANCISCO LEONG/AFP/GETTY

Pedro Calado durante a etapa de Nazaré, em Portugal
Pedro Calado durante a etapa de Nazaré, em Portugal

O Brasil já conquistou o topo do mundo no surfe duas vezes, com Gabriel Medina e Adriano de Souza. Mas tem um brasileiro tentando surfar ondas ainda maiores. Literalmente!

Por não se dar bem com ondas pequenas, o carioca Pedro Pinto, conhecido como Pedro Calado, resolveu se aventurar nas ondas gigantes. A ideia deu certo, e o jovem de 21 anos terminou 2016 como o segundo melhor “big rider” no ranking da World Surf League (WSL).

Neste momento, Pedro está em Puerto Escondido, no México, aguardando a chamada para a primeira etapa da nova temporada. Em conversa com o ESPN.com.br, o surfista conta como decidiu encarar ondas de 20 metros, fala dos medos, como lida com a expectativa de uma etapa e também pede maior reconhecimento para a categoria.

  • O começo de tudo

Pedro começou a surfar aos oito anos. A principio, tratava-se apenas de diversão, até que vieram as competições amadoras e a dificuldade em encarar ondas pequenas passou a atrapalhar.

“Com 15 pra 16 anos, eu resolvi parar de competir. Vi que não estava me fazendo bem, eu ficava muito bolado, porque eu perdia e não estava conseguindo o retorno para o que eu estava querendo. Nesse meio tempo, sempre gostei de pegar onda grande”, contou.

Então, veio a grande oportunidade.  Com 16 anos, ele conheceu Felipe “Gordo” Cesarano, especializado em ondas gigantes, através de uma promoção. O garoto de até 16 anos que postasse a foto da maior onda no Rio de Janeiro iria conhecê-lo e ganharia uma cota do patrocinador dele na época. “Eu postei a minha, era uma foto da Macumba, não era nenhuma onda gigante, mas, pra galera de 16 anos, impressionou um pouco. Tinha uns dois metros a onda”, lembrou.

Depois disso, Gordo convidou Pedro para acompanhá-lo em uma viagem ao Havaí. Após o aval dos pais, o jovem surfista foi realizar seu sonho.

“Na época, era inverno no Havaí, final do ano, e era temporada lá. Havaí é a meca do surfe, é o sonho de todo surfista estar ali. Eu cheguei lá e na primeira temporada rolou um swell bom, 20 pés (6 metros), sem vento e perfeito para rolar Jaws. Na época, estava iniciando a remada em Jaws. Eu fui lá, peguei umas ondas, peguei uma direita, uma esquerda, tomei uma na cabeça, e a sessão foi irada”, afirmou.

Tratava-se do início da carreira. “Depois disso, voltei para o Brasil, consegui patrocínio, expliquei que queria isso da minha vida: pegar onda grande e correr atrás de onda grande no mundo. Minha carreira como big rider começou assim”, concluiu.

  • Destemido?

Se você também pensa que encarar ondas gigantes é, de certa forma, uma loucura, saiba que Pedro também não está imune ao frio na barriga. “O medo, com certeza, está em todo mundo. Eu sinto medo como qualquer outra pessoa”, revela.

MARCELO PIU/DIVULGAÇÃO

Pedro Calado em sessão de treinos no Recreio
Pedro Calado em sessão de treinos no Recreio

A grande diferença é a forma de encarar isso. “Mas eu gosto de sentir medo, de controlar meu medo e é isso que me motiva. A adrenalina de estar em um mar gigante”, explica.

Com todo este controle, Pedro encontra em mares com ondas de mais de três metros seu ambiente ideal para trabalhar. “A maior onda que eu peguei foi 60 pés (18,3 metros), em Jaws. Eu me sinto mais confortável em mares assim que outras pessoas não se sentem. Mas, mesmo assim, eu sinto medo, mas é saber controlar, saber o momento certo de não ficar desesperado”, disse.

  • Ansiedade

“Pra rolar um mar gigante, demora muito. Então, são datas especiais que eu considero muito. São os dias que eu mais espero na vida”, afirmou o surfista.

A expectativa, sem sobra de dúvidas, é grande. Afinal, são apenas três etapas por ano na Big Wave Tour, já que as janelas duram meses. A etapa de Puerto Escondido, por exemplo, teve a janela aberta no dia 1º de maio e o fechamento será dia 31 de agosto.

“É normal a ansiedade antes do swell. Todo surfista que corre atrás de swell gosta de sentir essa adrenalina pré-swell. É normal aquela ansiedade ainda mais em Puerto Escondido, onde a galera fica unida. É uma rua, tem vários hotéis, então, aqui você esbarra com a galera toda hora. Acaba falando no swell e não tem jeito”, contou.

“É bem normal a galera ficar ansiosa. Onda grande é isso. Os dois dias anteriores são os mais sofridos. Quando passa o swell, é festejar. E, durante o swell, surfando, dá uma adrenalina, eu fico lá sentado esperando a minha onda, eu fico relaxado. Eu espero a minha onda”, completou.

Além de Puerto Escondido, as outras etapas acontecem em Nazaré (Portugal) e Pe?ahi (Havaí), ambas com janela entre 15 de outubro e 31 de dezembro, mas não são raros os casos em que um dos eventos acaba não acontecendo por conta da condição do mar.

  • Ondas grandes, prêmios nem tanto

Se o risco enfrentado pelos “big riders” é maior, o prêmio que eles levam para casa fica bem atrás dos surfistas “convencionais”, que disputam o WCT (Circuito Mundial de Surfe).

Vice-campeão do circuito de ondas grandes em 2016, Pedro Calado recebeu US$ 20 mil em premiação após as três etapas, mesma quantia que outro brasileiro, Bino Lopes, levou nas duas etapas que disputou no WCT em 2017, sendo que ele foi eliminado no round 2 em ambas. Já o líder do ranking do circuito mundial, o australiano Matt Wilkinson, faturou US$ 196,5 mil após cinco etapas neste ano.

“É mais pelo fato de ter poucas etapas, por isso não tem tantos patrocinadores, e depende total da natureza. Tem ano que nem rola uma etapa. Em Puerto Escondido, por exemplo, se não tiver o swell, não vai rolar o campeonato. Não é uma parada certa em uma data fixa. Quando tem data fixa, vai vender bem mais para gerar novos patrocinadores”, disse.

“Já o surfe de onda pequena é aquilo, é um show que vai rolar naquela data. Então, é mais por esse fato mesmo do surfe de onda grande não ter uma data certa para rolar”, acrescentou Pedro, que se mostra frustrado com a diferença nos pagamentos.

“Comparando os riscos, o surfe de onda grande tem bem mais riscos. Vendo isso, devia ser bem mais valorizado que o surfe de onda pequena”, disse.

Mesmo sabendo dos fatores que pesam contra a modalidade que escolheu, Pedro não consegue esconder certa frustração por não ter maior valorização ao fazer algo que claramente coloca sua vida em risco.

“Revolta um pouco, porque a gente arrisca a nossa vida, mas é o esporte que eu amo, que me dá mais prazer, então não estou fazendo isso pela grana, mas pelo prazer. Lógico que ganhar a grana é muito bom. Eu preciso me sustentar, né?”, concluiu.

  • 18 metros acima e debaixo de muita água

Ao encarar mares tão grandes, Pedro Calado sabe que o limiar entre o sucesso e o susto é bem pequeno.  Assim, foi fácil apontar o melhor e o pior momento pelo qual passou na carreira.

MARCELO PIU/DIVULGAÇÃO

Pedro Calado vive a expectativa da etapa de Puerto Escondido
Pedro Calado vive a expectativa da etapa de Puerto Escondido

“O momento mais marcante pra mim dentro do mar foi essa onda de 60 pés (18,3 metros) que eu peguei em Jaws, no Havaí, e foi considerada a segunda maior onda surfada na remada, porque a maior foi surfada no mesmo dia, de 63 pés (19,2 metros)”, lembrou Pedro.

“E o momento que eu senti mais medo foi em uma vaca aqui em Puerto Escondido, que foi considerado o maior swell dos últimos 20 anos. A água invadiu a piscina do hotel, destruiu os quiosques na beira da praia e arrastou carro. Nesse swell, eu tomei uma vaca, saí quicando na face da onda e fiquei um bom tempo embaixo d’água. Por pouco, não fico duas ondas embaixo d’água e foi quando eu senti mais medo”, completou.

“Esses dois foram os momentos mais insanos da minha vida”, disse. E ninguém duvida.

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