18/04/2024

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Cartolas não prestam contas de milhões investidos nas confederações para o Rio 2016; COB nunca reprovou nada.

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Diego Garcia e Gabriela Moreira, do ESPN.com.br

Um ano passou e continuamos sonhando. Agora acordados e com raiva. Raiva de acreditar mais uma vez que seria diferente que seria incrível.
Um ano passou e continuamos sonhando. Agora acordados e com raiva. Raiva de acreditar mais uma vez que seria diferente que seria incrível.

Um ano se passou desde que o Brasil recebeu o maior evento esportivo de sua história, os Jogos Olímpicos Rio 2016. Mas, até hoje, as contas ainda não fecharam. Principalmente quando falamos das prestações delas.

Segundo informação obtida pelo ESPN.com.br com exclusividade, o Comitê Olímpico Brasileiro possui, hoje, mais de 4 mil projetos sem prestar contas. Em dinheiro, estamos falando de R$ 200 milhões repassados às confederações por meio de projetos abertos entre 2015 e 2016.

O Tribunal de Contas da União confirma à reportagem que existem problemas nas prestações de contas envolvendo o COB, que jamais reprovou nenhuma delas.

“As confederações são obrigadas a prestar contas ao COB. Mas nós percebemos que o COB jamais havia reprovado nenhuma prestação de contas das confederações”, disse Ismar Barbosa Cruz, secretário de controle externo da Educação, Cultura e do Desporto do TCU e auditr federal do órgão desde 1994.

“Todo repasse tem que ter uma prestação de contas, que o COB deveria analisar. Se o que foi gasto está comprovado, se o preço está bom, se teve licitação de fato, se as despesas foram legítimas. Essa é a análise que se espera de quem faz repasse de dinheiro para um projeto. Ao longo dos anos, nenhum dos convênios foi objeto de reprovação. Ou seja, o COB valida tudo sem uma análise mais minuciosa”, explicou o secretário-geral do Tribunal de Contas.

As informações sobre as contas do COB vão de encontro ao que já havia revelado oDossiê das Contas, série de reportagens da ESPN que escancarou problemas com as prestações feitas diretamente ao Ministério do Esporte. Na época, o Jogo Limporevelou mais de 2 mil prestações de contas travadas no órgão nos últimos anos, em montante que superava R$ 1 bilhão.

O Comitê Olímpico Brasileiro foi procurado para as informações. A reportagem questionou o órgão sobre sete pontos:

– Quais são os projetos que hoje estão em aberto sem prestação de contas?
– Quantos desses projetos sem prestação de contas foram abertos junto às confederações?
– Quais são essas confederações e quantos são os projetos de cada uma?
– Quais são os tipos e a natureza dos projeto que estão com as contas em aberto?
– Quantos projetos já foram analisados e necessitam que as confederações devolvam dinheiro?
– Quais são os atrasos de cada uma das confederações com relação a essas prestações?
– Quanto dá, em dinheiro, a soma dos projetos que estão sem prestações de contas?

Apesar de o contato ter sido feito há cinco dias, o COB não respondeu aos questionamentos.

Segundo informação que chegou à reportagem, a ação do COB é proposital, já que o órgão teria conhecimento de que as confederações não vão conseguir prestar contas dos projetos por conta de irregularidades no uso do dinheiro público. Dessa forma, se o Comitê Olímpico analisasse o projeto e identificasse um problema, a confederação deveria devolver o dinheiro. Essa devolução precisaria ser feita com dinheiro privado, que as confederações não possuem. Como as confederações não iriam devolver o dinheiro, o COB ficaria impossibilitado de fazer novos repasses às confederações, o que poderia fazer com que as entidades falissem, e o esporte brasileiro afundasse em uma crise histórica.

Após a publicação, o setor de comunicação do COB enviou e-mail à reportagem contestando o que disse o TCU e dizendo que “o COB não celebra convênios com as confederações. Quem celebra convênios cmo as confederações é o Ministério do Esporte”. As perguntas da ESPN, contudo, não foram respondidas. A reportagem segue aberta à espera das respostas aos questionamentos.

Crítica: COB substitui o Ministério do Esporte 

“O COB atua na política pública de esporte de alto rendimento como um Ministério, pois ele celebra convênios com as confederações. Estamos falando de convênios, que são de governanças públicas, celebrados entre duas entidades privadas”, contestou o secretário-geral do Tribunal de Contas da União.

O presidente Carlos Arthur Nuzman, por outro lado, falou sobre o tema em entrevista à ESPN feita dias antes. “Os recursos da Lei Piva seguem normas com o TCU e que passam por análise nossa, quando não está correto tomamos as providências. Temos as nossas contas com o TCU em online”, disse Nuzman.

“Nós temos as nossas contas com o TCU online. Se abrirem agora, eles têm recomendações. É uma evolução do processo de melhoria. Se pegar a primeira, que foi de dezembro de 2001, a instrução normativa 39 evoluiu muito, as exigências são maiores e nós atendemos, tudo nosso está online”, continuou o cartola.

Em fevereiro, o Jogo Limpo mostrou, em mais de 30 matérias, como as prestações de contas emperradas no Ministério do Esporte contribuíram para incontáveis fraudes, desvios e irregularidades nos convênios das confederações.

Naquela ocasião, foram mostrados que os gastos de 101 convênios de esportes olímpicos, abertos por 22 confederações brasileiras durante o ciclo para os Jogos Rio 2016, simplesmente não possuem as prestações de contas regularizadas junto ao Ministério do Esporte. Em dinheiro, são aproximadamente R$ 280 milhões que saíram dos cofres públicos apenas nesta centena de projetos.

Mais do que isso, auditorias mostravam um universo de quase 3 mil convênios sem análise. De todos eles, apenas dois haviam sido analisados e aprovados pelo Ministério do Esporte nos últimos anos. Responsável por 44 auditorias, que mostraram inconsistências em dezenas de convênios presentes nessas prestações de contas que “sumiram” do M.E., a Controladoria-Geral da União também falou sobre o tema à ESPN.

“Preocupou muito a deficiência na demonstração da utilização dos recursos. Com o que foi gasto? Viagens de delegações e atletas que não conseguia saber quem viajou, quantos viajaram. Na nota fiscal pagando despesas enormes de viagem, aí perguntamos quem viajou e recebemos três respostas diferentes”, disse Eliane Viegas Mota, diretora de da CGU na área de auditorias da área do Esporte.

“Além do problema da corrupção, tem o problema de gestão, pois mesmo em situações que não se identifica má aplicação de recurso público, ele não está sendo aplicado. Fiscalizamos convênios que a confederação recebeu recursos para treinarem, mas não foram, ou recebeu recursos para comprar equipamentos, mas não foram comprados e atleta não treinou. Claro que a corrupção é ruim, mas antes disso tem o problema de má gestão, pois o recurso não é aplicado”, continuou a CGU.

Dias após a publicação da série Dossiê das Contas, o Ministério do Esporte enviou nota oficial à ESPN em que se comprometeu a analisar em cinco anos – ou até 2022 – as milhares de prestações de contas pendentes na pasta. E confirmou que possui, atualmente, mais de 2 mil convênios com as contas emperradas, ou mais de R$ 1 bilhão investidos sem análise adequada.

A reportagem tentou por mais de um mês marcar entrevista em vídeo com o ministro Leonardo Picciani, que rejeitou o encontro alegando falta de agenda. O Ministério da Transparência, por sua vez, topou o encontro e questionou os procedimentos adotados pelo Esporte.

“Sim, é fato. Existem pendências relevantes nessas análises. Muita coisa é corrupção. Também acho que muita coisa é corrupção. Mas percebemos também que muitas vezes o convenente não sabe como aplicar. Existe um papel relevante do M.E. em saber o que quer do convênio para fazer as prestações de contas”, questionou a diretora de auditorias da Controladoria-Geral da União, Eliane Viegas Mota.

Sem análise das contas, fica difícil efetividade no controle dos recursos e gastos feitos com dinheiro público, seja por meio de Lei Agnelo-Piva, com o COB, ou por convênios abertos junto ao Ministério do Esporte. E, assim, o caminho da corrupção fica mais fácil. E ela acontece nas confederações. “Quem me garante que a mesma despesa é paga com recursos de convênio, de Angelo Piva e patrocínio privado? Assustadora é a falta de acompanhamento disso e efetivamente é complicado”, questionou a diretora da CGU.

Confederações na mira

Enquanto as prestações de contas são ignoradas por COB e M.E., as confederações ficam com o caminho livre para cometer todos os tipos de irregularidades na aplicação dos recursos públicos. Desde o fim do Rio 2016, por exemplo, escândalos em vários esportes olímpicos já estouraram. E o Jogo Limpo revelou em primeira mão todos eles.

Como, por exemplo, investigações que apontavam R$ 22 milhões de fraudes detectadas nas confederações de Esgrima, Tiro com Arco, Taekwondo, Tiro Esportivo, além de associações como a Brasileira de Voleibol Paralímpico e clubes que patrocinam atletas olímpicos. Entre os crimes, fraude de licitação, superfaturamento e falsidade ideológica.

No taekwondo, Carlos Fernandes foi afastado do cargo de presidente da confederação por suspeitas de fraudes em licitações, desvio de verba pública e corrupção.

“A energia elétrica estava desligada, água também, em razão dos atrasos. O próprio aluguel, funcionários sem receber há algum tempo, benefícios de funcionários, mais as despesas do mês também estavam atrasadas”, disse o ex-interventor da entidade, Carlos Carvalho.

Já na natação, material e provas colhidas pela PF mostraram superfaturamento, fraudes em balanços, falsidade ideológica, apropriação indébita e desvio de recursos públicos. Cinco cartolas acabaram presos, incluindo o presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, Coaracy Nunes. “Havia um patrocínio aos dirigentes e não aos atletas”, resumiu a procuradora Thaméa Danelon. “Esse mar de corrupção afundou o esporte aquático brasileiro”

No handebol, o Jogo Limpo revelou contratos e atas que indicavam fraudes de R$ 6 milhões em 14 licitações do esporte, além de outras dezenas de reportagens apontando irregularidades na Confederação Brasileira, em inconsistências que, somadas, ultrapassam os R$ 10 milhões. As matérias fazem parte da série “Dossiê HandeboL”, que motivou a impugnação do presidente Manoel Luiz Oliveira por parte do STJD e fez com que o MPF pedisse pela abertura de inquérito policial contra a CBHb.

O hóquei na grama, esporte não muito popular no Brasil, mas que recebeu cerca de R$ 20 milhões em dinheiro público no ciclo olímpico, foi outro esporte na mira da Polícia Federal. Segundo mostraram documentos publicados pela ESPN, existem indícios de fraudes em licitações e outras irregularidades no uso das verbas que chegavam à entidade via Ministério do Esporte.

A série Dossiê das Contas, também do Jogo Limpo, mostrou mais de 50 auditorias do TCU e CGU que mostraram inconsistências em pelo menos 14 esportes olímpicos: Handebol, Tênis de Mesa, Canoagem, Natação, Basquete, Boxe, Vôlei, Ginástica, Tiro com Arco, Vôlei de Praia, Ciclismo, Rugby, Golfe e Atletismo, além de contratos do Ministério do Esporte rumo ao Rio 2016, do Comitê Olímpico Brasileiro e da Confederação Brasileira de Clubes.

Vale lembrar que se passou apenas um ano desde o fim da Olimpíada Rio 2016. Ou seja, as contas devem continuar chegando por aí.

A seguir, relembre as matérias do Jogo Limpo mostrando indícios de corrupção nos esportes olímpicos após o Rio 2016.

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