16/12/2024

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Ofuscado por padrasto, pai biológico se orgulha de Medina à distância. Entenda o fato.

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"O pai verdadeiro do Gabriel Medina? Não conheço. A gente não invade a privacidade das pessoas", explica o pastor da igreja Bola de Neve da praia de Boiçucanga.

Do Zigzagdoesporte.com.br por ESPN.com.br com agência Gazeta Press.

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Ofuscado por padrasto, pai biológico se orgulha de Medina à distância
Ofuscado por padrasto, pai biológico se orgulha de Medina à distância

“O pai verdadeiro do Gabriel Medina? Não conheço. A gente não invade a privacidade das pessoas”, explica o pastor da igreja Bola de Neve da praia de Boiçucanga.

“Mora em Maresias, sim, mas parece que não se dá muito bem com o Gabriel”, informa a proprietária de uma loja de surfe local.

“Ele trabalhava no mercado Bom Gosto. Mas eu não disse nada, hein?”, sussurra a funcionária da Prefeitura de São Sebastião.

“O Claudinho? Não sei se já trabalhou aqui, mas está sempre por perto. Se quiserem, posso levar um recado”, oferece, mesmo desconfiada, a encarregada de uma das caixas registradoras do Bom Gosto.

“O Claudinho não está mais no Bom Gosto, não. Ele mora para aquela direção, na antepenúltima casa daquela rua”, indica, finalmente, o caseiro do Maresias Futebol Clube.

Há uma luz acesa no quintal da antepenúltima casa daquela rua de terra batida, relativamente distante da agitação da praia de Maresias, na véspera de Gabriel Medina se tornar o primeiro brasileiro campeão mundial de surfe. Lá dentro, ao escutar a campainha, Claudinho caminha impaciente e pergunta com rispidez antes de abrir apenas uma fresta do portão:

“O que vocês querem comigo?”.O cachorro começa a latir. “Mas ele não morde”, tranquiliza Claudinho, já na calçada. O labrador é uma herança da família Medina, que não tinha com quem deixá-lo quando se mudou para um luxuoso condomínio de Maresias. Seria hóspede apenas por alguns meses e está lá há mais de sete anos, embora o novo dono não goste do nome do seu único companheiro dentro de casa. “Chama-se Sol… Foram eles que escolheram. Vou fazer o quê? Mas é macho! Corintiano!”, exclama.

Já à vontade, Claudinho se surpreende com o interesse da reportagem em sua história de vida. “Como vocês me descobriram aqui? Quem dedurou? Sou discreto. Por que vocês não entrevistam o Charles, que é o pai do Gabriel?”, sorri o pai biológico do surfista campeão mundial.

Gabriel Medina sempre se refere a Charles Serrano como o seu pai. Nos anos 1980, o paulistano da Vila Nova Conceição, filho de engenheiro, abdicou da faculdade de arquitetura na Universidade Presbiteriana Mackenzie para ser ajudante de pizzaiolo e depois proprietário de uma loja de surfe no litoral norte do Estado. Conheceu Simone, sua funcionária, casou-se e virou o guru do primeiro brasileiro a conquistar um título do WCT.

Após ser campeão do mundo no Havaí, na última sexta-feira, Gabriel aproveitou todos os microfones que ficaram à sua frente para agradecer ao “pai”, Charles. Fez o mesmo nas redes sociais. Não citou Claudinho nem uma vez sequer.

“Algumas pessoas acham que o Charles é o pai dele mesmo. Existe a convivência. É… Isso não me incomoda. Sei que o menino está sendo bem tratado, que tem um padrasto que quer o bem dele. Chega uma hora em que você chama essa pessoa de pai e tal, tal, tal. Mas quem me conhece das antigas sabe que sou eu o pai dele. Não tem como. Quando ele conversa comigo, fala: ‘Ô, pai, tudo bem?’. O que importa é ele e eu”, conforma-se o pai biológico, à distância e ainda receoso para conceder entrevista em Maresias, a milhares de quilômetros de onde Gabriel estava concentrado com o padrasto, a mãe, o irmão Felipe e a irmã Sophia (fruto já do segundo casamento de Simone Medina). “Não posso revelar certas coisas”, advertiu.

Claudinho explica que também não tem tempo para revelações. Ele olha para o pulso, onde carrega um chamativo relógio prateado da Rip Curl (principal patrocinadora de Gabriel Medina), um presente do seu filho, e lembra que está atrasado para um velório. E ainda precisa passar mais alguns minutos diante do computador para se certificar de que realmente não haveria baterias em Pipeline no fim do dia. Por isso, posterga a entrevista para pouco depois das 6 horas, da sexta-feira – ele gosta de acordar cedo e é incumbido de comprar os alimentos do restaurante onde está trabalhando.

Dez minutos antes do combinado, Claudinho já está de pé, pronto para enfim se pronunciar publicamente sobre Gabriel Medina. Ele sugere a sede do Maresias Futebol Clube, do qual é segundo tesoureiro e integrante do time de veteranos, para contar até aquilo que não estava disposto. No caminho, faz questão de reduzir a velocidade de sua motocicleta para mostrar alguns pontos turísticos de Maresias, como a boate Sirena – mal sabia o pai que o local deveria receber uma festa fechada pela conquista do WCT, nesta semana.

Claudinho não gosta de frequentar o Sirena. Foi em um antigo lugar badalado de Maresias, o bar Shaolin, que ele conheceu Simone Medina. “Pintou um clima e ficamos juntos”, conta. Menos de um ano depois, a namorada recebeu de forma inesperada a notícia que estava grávida. E decidiu ter o filho em São Paulo, após diversas discussões entre o casal.

No dia 22 de dezembro de 1993, Claudinho estava fazendo o que mais gosta: jogando futsal. Foi campeão de um torneio em São Sebastião e, de tão feliz, comentou com um amigo: “Ari, estou sentindo uma alegria muito grande no coração. Acho que tem mais alguma coisa”. Tinha. Há exatos 21 anos, Gabriel Medina nascia em São Paulo. O pai, então afastado da mulher, foi informado apenas dois dias depois. “É uma data especial para mim desde então. Também foi em um 22 de dezembro, em 1985, que vim de Santos para Maresias em busca de uma oportunidade de emprego”, relembra.

Claudio de Jesus Ferreira, o Claudinho, registrou o futuro surfista como Gabriel Medina Pinto Ferreira a pedido de Simone. Em uma carteira de identidade expedida em 2007, no entanto, o garoto já assinava o seu nome somente como “Gabriel Medina”. Os pais ainda tiveram mais um filho, Felipe, antes da separação definitiva.

“Passamos dez anos juntos. Temos bastante história. Até hoje, também me pergunto por que não deu certo. Acho que a pessoa, sei lá, fica afim de outra e, enfim, acha melhor desmanchar. Ela vive a vida dela agora. Eu, a minha. É como falo para o Gabriel: independentemente de ser famoso, ele e o Felipe são meus filhos e serão tratados com carinho e respeito”, diz.

Enquanto Simone foi morar com Charles e levou consigo Gabriel, Claudinho não teve outros relacionamentos duradouros e dividiu a sua casa com Felipe “durante mais de três anos”. Quem conhece a família comenta que o caçula é mais apegado ao pai biológico. Os dois conversam quase todos os dias, pessoalmente, por telefone ou pela internet. São amigos em uma rede social em que Claudinho não tem relação com o Medina mais famoso, porém recebe mensagens de garotas que se dizem apaixonadas pelo filho.

Felipe não seguiu Claudinho apenas na internet. Assim como ocorreu com o pai, que fez testes no Jabaquara, ele não é ligado ao surfe e alimenta o sonho de ser jogador profissional de futebol. Atua como lateral direito no Maresias FC e não aceita ficar no banco de reservas. “Ele herdou isso de mim. Nunca tive talento para surfar. Até tentei com um primo, mas bebi muita água salgada, arremessava a prancha longe. O meu negócio é o futebol”, avisa o progenitor do maior surfista da atualidade.

A habilidade de Gabriel Medina para surfar pode não ser genética. Mas ele carregou no sangue o jeito para o futebol, na opinião do pai. “Os meus filhos sempre jogavam bola em um campinho perto de casa. As pessoas me diziam: ‘Claudio, o Gabriel será um grande jogador de futebol. Vamos investir nele’. Jogava na frente, fominha, com o meu estilo. Tinha muito potencial. Se não fosse surfista… É só botar em campo que você vê a personalidade de um jogador. Só que veio a separação, ele foi para a praia, e muita coisa mudou”, recorda.

Para Fagner Cruz, amigo de infância de Gabriel na escola municipal Edileusa Brasil Soares de Souza, a separação o abalou emocionalmente. “A gente não conversava muito sobre essas coisas. Mas acho que sim”, assentiu o hoje professor de música, com algumas broncas que recebeu de Claudinho na memória. “Uma vez, a gente bagunçou bastante, e o pai do Gabriel deu um come na gente, de ficar até de castigo. Era um cara duro.”

O sucesso de Gabriel sob a tutela do padrasto Charles foi capaz de amolecer o coração de Claudinho. Mesmo sem entender as regras do surfe, ele acompanha como pode a carreira do maior brasileiro da modalidade. Repara que o filho está sempre com um fone nos ouvidos antes de entrar no mar e acha graça. “A gente nem sabe o que ele está escutando. Espero que seja um Zeca Pagodinho. O Felipe é o mais chegado ao samba, tem um pezinho na senzala”, diverte-se, com a propriedade de quem é tocador de rebolo nas rodas do Maresias FC.

As diferenças entre os irmãos vão além da música e do esporte. Em um seriado sobre a sua vida, Gabriel chegou a chamar Felipe de “adotado” e de “o Neymar da família”, em tom de brincadeira. Já Sophia, a caçula, é apresentada como o xodó. Em outra ocasião, o mais velho também apontou o irmão do meio como um entrevistado engraçado, por causa da timidez. O clima entre os dois nem sempre foi tão amistoso.

“Aconteceu cada uma, meu amigo”, sorri Claudinho. “O Gabriel veio primeiro. Foi o reizinho. Sempre recebeu aquela bajulação. O Felipe é mais brincalhão. Não dá para falar sério com ele. Com o Gabriel, ainda dá”, compara.

Encarando a sua profissão com seriedade, sob os cuidados do padrasto Charles, Gabriel começou a se destacar no surfe e atraiu até o irmão boleiro para assisti-lo ao redor do mundo. O pai, nem tanto. “Vejo menos o Gabriel por causa dos campeonatos. Nos fins de semana, ele ia para o Guarujá ou para o Rio de Janeiro. A convivência fica mais difícil. Acho que me cobra isso até hoje. Só que existem horas em que não dá para você ir a algum lugar”, justificou.

Quando Gabriel Medina está em ação em Maresias, Claudinho garante que vai à praia. E orgulha-se do resultado geralmente atribuído aos ensinamentos do padrasto Charles. “Ele tem um dom de Deus. Muitos falam que aprendeu isso na escola, não sei onde, mas foi obra de Deus. É incrível”, empolga-se, lembrando que já trouxe o pai e os irmãos de Santos para acompanhá-lo na torcida e ficou emocionado na orla da praia. Com os olhos marejados, o avô Edgar exclamou: “Como surfa bem o meu neto!”.

Gabriel Medina surfa tão bem que venceu três etapas do WCT neste ano e deixou para trás os consagrados Kelly Slater e Mick Fanning. Antes de viajar para o Havaí e ratificar a sua conquista, visitou o pai biológico. “Sempre tive a ideia de jogar em um Corinthians, na seleção e ser campeão do mundo, mas machuquei o joelho aos 19 anos. Então, falei para o Gabriel: ‘Você vai realizar o sonho do pai. Vai ser campeão mundial’”, narra Claudinho. “Ele me olhou com uns olhões, meio abismado: ‘Pô, pai, será?’. E eu: ‘Não é será. Você já é um campeão, independentemente do que aconteça. Pode ter certeza de que vamos ganhar e comemorar muito”’, complementa.

Na última segunda-feira, 22 de dezembro, o surfista comemorou o seu aniversário  de 21 anos e o título com Charles, Simone, Felipe e Sophia. Igualmente satisfeito, Claudinho até enaltece o padrasto do seu filho, o grande incentivador da carreira: “É um cara que também gosta das coisas certas, não tem vícios, está sempre ali com o garoto, pegando no pé. O Gabriel perde algumas coisas por isso, mas é um sacrifício necessário para conquistar um título”.

Quando reencontrar o seu primogênito, Claudinho espera que os sacrifícios fiquem de lado. Gostaria de ver Gabriel – corintiano como ele, ao contrário do palmeirense Charles – sem medo de contusões no campo do Maresias FC. Com direito a um churrasco e à peixada, de cavala ou garoupa, na festa para os seu amigos. E a duas barras de chocolate de sobremesa. “Esse é o presente de aniversário que posso dar. Chocolate, ele sempre aceita. Porque roupa, tênis, essas coisas, o patrocinador já fornece”, explica, acrescentando que não costuma pedir nada ao filho campeão.

Por enquanto, ofuscado pelo padrasto surfista, Claudinho se contenta em exibir todo esse orgulho à distância. Na sexta-feira, dia do histórico título do WCT, ele foi às ruas de Maresias para celebrar o sucesso nas águas do filho que queria ter visto brilhar nos gramados. Vestiu até uma camisa da seleção brasileira (de futebol) para que todos soubessem da sua admiração – na praia, na Bola de Neve de Boiçucanga, no mercado Bom Gosto, na prefeitura ou no campo de várzea onde se pronunciou publicamente pela primeira vez como o verdadeiro pai de Gabriel Medina.

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