Isaque treina em São José dos Campos desde 2011
Isaque treina em São José dos Campos desde 2011

“Não perca essa oportunidade! É seu sonho. Quero que você vá”.

Basicamente essas foram as últimas palavras que o paraibano Isaque Conserva escutou da mãe pouco tempo antes de ela morrer. Ele, que já havia deixado o judô de lado duas vezes, caminhava para a terceira desistência, decidido a cuidar da mãe doente e recusando um convite para virar atleta da cidade de São José do Campos.

Dona Rita de Cássia, que tivera uma vida ligada ao esport, ainda que de forma amadora, deu o empurrão que faltava ao filho, como já havia feito na infância dele ao colocá-lo numa turma de judô e na adolescência, quando o motivou a continuar.

É por isso que até hoje, aos 29 anos, o judoca, que sonha em estar na Olimpíada de 2020, em Tóquio, com a bandeira do Brasil, guarda com carinho o exemplo dado pela mãe. Em entrevista para o ESPN.com.br mencionou ela diversas vezes.

“Ela sempre praticou esportes. Ela carregava com ela esse espírito esportivo. Chegava em casa, pegava a bike e fazia 40 km por dia. Foi criada pelos meus avós para ser independente e era assim. Batalhou para ter o espaço dela, para prosperar e ser independente. E traduziu tudo isso para mim por meio do esporte”, disse Conserva.

A mãe do judoca foi diagnosticada com insuficiência renal em 2009 e ficou um ano fazendo hemodiálise. No final de 2010, em meio ao tratamento dela, Conserva recebeu a proposta para mudar-se para a cidade paulista. Chegou a pensar em desistir, mas o incentivo da mãe, com as palavras descritas acima, mudou a história dele.

“Motivado por ela, eu aceitei e me mudei em abril de 2011. Praticamente dez dias depois ela sofreu um ataque cardíaco. Foi para a UTI e teve morte cerebral constatada. Ela se foi, mas me deixou muitas lições…”, relembrou Conserva.

  • Persistência

A primeira experiência no judô ocorreu quase que por acaso. O incentivo para iniciar veio da mãe. Ele tinha nove para dez anos. E o esporte entrara na vida dele como um hobby.

“Treinei por um ano. Já era muito competitivo. Só conseguia lutar para ganhar. Quando perdi a primeira competição, um estadual, me desiludi e abandonei. Não fui nem pegar a medalha. Eu não entendia perder, para mim era só ganhar. Minha mãe não obrigou, disse ‘Não quer, não continua’. Depois fiz futebol, natação, basquete, mas nenhum esporte me tomava tanta atenção. O judô é onde eu me sinto melhor”, disse.

Conserva retornou ao judô aos 15 anos. A cabeça já era outra. Não encarava modalidade apenas como hobby. Tinha objetivos, metas e principalmente sonhos. Mas se deparou com uma dificuldade comum para muitos atletas: como sobreviver como atleta?

“No Brasil é sofrido. Quem vive bem é quem é de seleção, tem medalha olímpica, participação em Mundial ou está em clube grande. Para o judô são basicamente três: Minas, Pinheiros e Sogipa. São os maiores, acabam pagando tudo. Quem está em um desses consegue se manter. Quem não está, sofre. Eu já deixei de competir, já pedi quimono emprestado. A gente vai se virando do jeito que dá. Temos que lutar a cada dia. Você luta para ter um bom resultado, mas também para sobreviver do esporte. Tem muita gente que acaba desistindo porque não tem com se sustentar”, disse Conserva.

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Judoca Isaque Conserva durante luta
Judoca Isaque Conserva durante luta

As dificuldades o fizeram diminuir o ritmo e praticamente parar com o judô em 2007. Foi quando começou a se dedicar ao curso de educação física. Ele mesmo admite que naquela época o ritmo caiu, tinha pouco tempo para os treinamentos. Priorizou a universidade.

De fato, o rendimento caiu. De 2004 a 2007 ele chegou a integrar a seleção brasileira de juniores e a seleção brasileira Sub-23, respectivamente. Fez boas campanhas internacionais, como o vice-campeonato do Sul-Americano Júnior, em 2006, e o título sul-americano sênior, em 2007.

Mas o judô é alimento preferido de Isaque Conserva e por isso ele voltou a dedicar-se à prática do judô em 2010. Ainda morando em João Pessoa, ele mudou-se temporariamente para Piracicaba, no interior de São Paulo, para disputar os Jogos Abertos. O desempenho foi razoável, mas foi o suficiente para chamar a atenção da prefeitura de São José do Campos e dar início à história acima.

  • Lutando por um sonho…

Ao aceitar o convite para defender a equipe de São José dos Campos nos Jogos Abertos e em outras competições, a vida de Isaque Conserva no judô teve reviravolta.

No segundo ano, Conserva subiu de categoria no judô. Passou de meio-pesado (até 100 kg) para pesado (mais de 100 kg). A mudança foi estratégica, ele admite.

“A equipe de São José do Campos preferiu que eu lutasse no pesado porque eles não tinham ninguém nessa categoria. Eles já tinham outros atletas no meio-pesado e eu seria apenas mais um. Tive bons resultados. Em 2013, fui campeão [do Brasileiro Sênior]. Só que nas seletivas para entrar na seleção brasileira eu não tive bons resultados. Peguei atletas que tinham estatura e peso bem maior. Isso é uma dificuldade que eu tenho, por ser bem mais leve que os outros”, disse Conserva.

A dificuldade e a corrida para conseguir estar numa Olimpíada fizeram o judoca repensar a mudança. Em vez de aproximar ele do objetivo, parecia ter o distanciado.

“Teve uma seletiva para o novo ciclo olímpico no começo deste ano. Lutei no pesado. Decidi com a minha família e falei: ‘Se eu for bem, conseguir entrar na seleção no peso pesado, vou fazer um trabalho para continuar. Mas seu não for bem, eu vou voltar para a outra categoria’. Meu pensamento era esse porque eu tinha mais chance de lutar com atletas do meu peso”, disse.

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Isaque Conserva (de branco): como muitos, ele sonha em chegar a uma Olimpíada
Isaque Conserva (de branco): como muitos, ele sonha em chegar a uma Olimpíada

Conserva foi terceiro na seletiva deste ano, colocação insuficiente para conseguir a vaga na seleção brasileira. Por isso voltou à competir na categoria meio-pesado.

A pouco mais de três anos e meio da Olimpíada de Tóquio, a meta é bem clara na cabeça de Conserva. E ele já traçou o que tem de fazer para prosseguir.

“Para entrar na seleção agora o que vale mesmo é ranking. Ele é que vai determinar quem vai entrar. O primeiro já entra diretamente. O meu planejamento é entrar na seleção como primeiro do ranking. Lutei o Regional agora e ganhei. Foi uma fase preliminar do Brasileiro. Neste ano vão ter mais duas competições, que são as mais importantes: o Troféu Brasil e o Brasileiro. Essas competições é que devem definir quem vai ser o primeiro do ranking. São as competições que valem mais. Espero pelo menos fazer a final”, disse confiante.

Se chegar na seleção é uma dificuldade, Conserva tem noção que estar na Olimpíada será ainda mais complicado. Mas utiliza isso como combustível motivacional.

“Vou ter de 32 para 33 anos. Seria teoricamente minha melhor forma. Passou disso vai depender de muita coisa, de lesão, treinamento. Muitos atletas conseguem ter bom desempenho beirando os 31. É a fase que eles têm mais experiência e não estão tão desgastados fisicamente. O foco é a Olimpíada. Mudei de categoria pensando nisso, estou tentando montar projetos com empresas para me sustentar só com o judô”, explicou.

O que Conserva já consegue comemorar é ter uma vida ajustada à carreira no esporte.

“Meu salário é pago pela prefeitura de São José dos Campos. Recebo um salário para treinar e lutar. Não tem fora da prefeitura. Mas eu tenho parceria com preparação física, com nutricionista, com farmácia e com clínica de fisioterapia. São serviços que não pago. O resto tudo sai do meu bolso: alimentação, passagem, custeio do dia a dia, de equipamento… O que eu recebo com salário eu invisto para me manter, não dá muita margem para competir”, afirmou Conserva.

Aliás, com todo as dificuldades já superadas, Conserva se motiva a seguir com o que aprendeu com a própria mãe. São lições que não deixou no passado.

“Temos de lutar a cada dia. Você luta para manter o bom resultado, mas também para sobreviver do esporte. Estou conseguindo, tem muita gente que acaba desistindo porque não tem como se sustentar. Eu consigo me sustentar. O básico eu tenho. Eu estou pensando em ir para São Paulo treinar, mas se não conseguir patrocínio não tenho condições. Não tenho como tirar um gasto a mais do que eu já tenho. Mas a gente vai se virando como dá”.

“Toda a minha vida esportiva é baseada na história da minha mãe. Ela que incentivou essa ideia em mim. Desde que decidi ser atleta, sempre coloquei na minha mente a criação que vem da minha mãe: ‘Não pode desistir porque está difícil, porque está desfavorável’. Tem de persistir, sempre. Filmes como “Rocky” incentivam, é claro, porque eles têm essa filosofia também: vai ser difícil, vai ter gente contrariando, a situação é desfavorável, mas vamos em frente. Eu aprendi com a minha mãe que o empenho é o processo, é o caminho até vencer. Essa é minha base”.