Dinheiro público, lucro privado: como a CBV montou ‘ação entre amigos’ em licitação do governo. Entenda o fato.
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Lúcio de Castro, para o ESPN.com.br.

“Buraco Negro”. “Triângulo das Bermudas”. “A Volta Dos Que Não Foram”. Dê o nome que quiser ao estranho fenômeno que ocorre no caminho percorrido muitas vezes por milhões de reais destinados pelo Ministério do Esporte para algumas entidades do ramo. A absoluta ausência de transparência nestes dutos tem elementos em comum: licitações de fancaria, contratação de empresas sem comprovação do serviço prestado abertas pouco tempo antes do serviço e proprietários com notórias ligações com o contratante (Confederações).
Nesse ralo por onde o dinheiro se esvai, correm esquemas com firmas fazendo cena nos diversos estágios das licitações, seja jogando para cima o valor na fase de orçamentos, seja com outras pessoas jurídicas correndo para não chegar no leilão final. E o final é muitas vezes o mesmo: malversação de verbas públicas.
Uma breve olhada sobre estes acordos mostra que só mesmo a aposta na impunidade e fiscalização negligente pode encorajar tamanha ousadia na condução de tais tramas. O Convênio 776592/2012, envolvendo o Ministério do Esporte e a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), que trata sobre a contratação de empresa para o projeto de “Organização e Produção do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de Voleibol 2013”, é uma didática aula de como transformar uma concorrência pública em ação entre amigos. E em família. Praticamente um guia. Com um dado estarrecedor e definitivo sobre como as coisas funcionam: as cinco empresas envolvidas nas diferentes fases do processo tinham laços com a entidade contratante, CBV. As cinco foram constituidas praticamente ao mesmo tempo, em um espaço de dois meses. Uma delas, participante da fase final da licitação, é de uma sobrinha de Ary Graça, então presidente da CBV.
Acompanhe o passo a passo, aqui simplificado em suas diversas fases:
Valor total do Convênio 776592/2012: R$ 4.749.931,48 (quatro milhões, setecentos e quarenta e nove mil, novecentos e trinta e um reais e quarenta e oito centavos) destinados pelo Ministério do Esporte para a CBV;
Razão: “Organização e produção do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais de Voleibol 2013”.

Uma das frações deste montante – de mais de 4 milhões – é destinada a “Organização e Produção”, no valor de R$ 213.545,44 (duzentos e treze mil, quinhentos e quarenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos), ou seja, a contratação do serviço de boleiros e enxugadores de quadra, locutor, UTI móvel e seguranças para cada uma das oito etapas do campeonato. Para tal é realizada uma licitação tendo como critério a escolha por “menor preço global”.

Nesse tipo de licitação, em um primeiro momento, empresas do ramo fazem um orçamento para levantar o preço de mercado que vai ser o parâmetro do montante fixado para a licitação. É um momento crucial da licitação, onde os preços podem ser jogados para cima e superfaturados. É nessa fase que fica determinado o patamar do preço onde será desenvolvido o leilão final. No caso do Convênio 776592/2012, três empresas fizeram parte desta etapa. Duas foram substituídas após esta fase e apenas a que viria a ser a vencedora permaneceu.
Questionado especificamente sobre este convênio 776592/2012, suas etapas e as empresas presentes nelas, o Ministério do Esporte, através de sua assessoria de imprensa, afirmou: “Na fase da análise para celebração de proposta, a entidade levanta orçamentos para que sejam demonstrados os parâmetros de preço de mercado. Geralmente são utilizados três orçamentos de empresas diferentes. Após a formalização do convênio, quando for contratar produtos e/ou serviços, a entidade deve realizar os procedimentos licitatórios, conforme a legislação específica, podendo participar nessa fase tanto empresas que foram orçadas na fase de análise da proposta quanto qualquer outra empresa, desde que observando os valores de mercado”.

“Nesta fase podem ocorrer diversos tipos de fraudes como montagem de licitação, acordo prévio, acerto de preços, superfaturamento e habilitação de empresas inexistentes”, como mostra “Uma análise diante das vulnerabilidades das licitações públicas no Brasil” (José Luciano de Oliveira, Descartes Almeida Fontes, Rodrigo Alexandre e Bruno Andrey). No convênio em questão, três empresas enviaram orçamentos.
Empresas envolvidas na fase de orçamento do Convênio 776592/2012:
– S4G (orçamento apresentado: R$ 213.545,44)
– SMIRANDA EVENTOS (orçamento apresentado: R$ 255.857,20)
– MANGUINHOS PRODUÇÕES (orçamento apresentado: R$ 252.678,88).