Aisam Qureshi é o principal nome do tênis do Paquistão
Aisam Qureshi é o principal nome do tênis do Paquistão

A movimentação em torno e dentro do Pakistan Sports Complex foi diferente nas últimas semanas em Islamabad, capital do Paquistão. Entre operários e materiais de construção, a reforma de uma estrutura desaparecida há um bom tempo: uma quadra de tênis para um evento internacional.

Pela primeira vez em 12 anos, o país asiático receberá em solo próprio um adversário para um confronto válido pela Copa Davis, o torneio masculino de nações do tênis.

Um hiato longo, pouco característico e consequência de um panorama crítico na segurança do país, constantemente afetado por atentados de grupos locais – foram mais de 900 mortes causadas por ações classificadas como terroristas em 2016, uma das taxas mais altas do mundo, segundo dados do Instituto Paquistanês de Estudos pela Paz.

O adversário desta festejada volta será o Irã, em confronto válido pelo Grupo II (equivalente à terceira divisão) e que inclusive será transmitido ao vivo no país pela emissora estatal.

Internamente, o duelo não é tratado apenas como mais um jogo: a comunidade paquistanesa de tênis analisa como uma oportunidade de ressuscitar o esporte no país.

  • O veto começa, e o tênis para

Em 2005, Aisam-ul-Haq Qureshi vibrou ao vencer Yen Hsun-Lu, na cidade de Lahore. Em casa, o Paquistão conquistava o terceiro ponto contra Taiwan e garantia uma vaga na repescagem do Grupo Mundial, último estágio antes da primeira divisão da Davis. Era o ponto mais alto da história do país na competição.

Na repescagem, a equipe foi derrotada pelo Chile por 5 a 0. Foi o começo do fim: no ano seguinte, a Federação Internacional de Tênis (ITF) passou a vetar o país como mandante.

Corte para 2017.

Aos 36 anos, Qureshi só não continua na ativa como é o capitão da equipe na Davis. Seu tamanho para o tênis paquistanês pode ser comparado ao de, entre outros, Gustavo Kuerten para o Brasil, Serena Williams para os Estados Unidos e Roger Federer para a Suíça.

A diferença para os três nomes está em como ele construiu sua carreira. Qureshi é duplista, atual 38 no ranking da ATP e chegou a ser o número 8. Tem 12 títulos, com dois Masters 1000 e o vice-campeonato do US Open de 2010. Assim como em 2005, segue como o grande nome do tênis local.

“Estou muito feliz por estarmos finalmente jogando em casa. É ótimo que a ITF nos tenha liberado. Eu acredito que com os nossos direitos de jogar em casa novamente nos ajudará a voltar ao Grupo I [segunda divisão]. Eu definitivamente senti falta de jogar em casa. Foram 12 longos anos”, afirmou ao The Express Tribune.

Se sua liderança e experiência são valorizadas, o fato de ele continuar como melhor do país também denota um problema: não há quem substituí-lo.

  • A geração perdida

Qureshi é o único tenista profissional do Paquistão que disputa com regularidade torneios da ATP. Os demais esportistas do país não têm recursos para viajar por longos períodos e ficam praticamente restritos ao circuito nacional, de 12 torneios.

Internamente, Aqeel Khan é o líder do ranking da Federação Paquistanesa de Tênis (FPT) há anos. Assim como Qureshi, ele estava na campanha da equipe de 2005. E já tem 37 anos.

“Ninguém foi capaz de vencê-lo nos eventos nacionais até aqui, o que significa que não produzimos tenistas talentosos há tempos. Até mesmo agora na Copa Davis confiamos em Aqeel e Aisam porque não temos quem possa substituí-los”, afirma a jornalista Natasha Raheel ao ESPN.com.br.

“Estamos há 12 anos sem a Copa Davis em casa, o que significa que uma geração inteira não tem ideia do que é ver uma partida de nível internacional no Paquistão. Os tenistas estão felizes porque querem que a população os apoie e que confrontos como esse possam gerar interesse público e consequentemente promover o tênis no país e fazer com que mais pessoas escolham o esporte”, prossegue ela, repórter de esportes do The Express Tribune.

O interesse no esporte existe. A própria Raheel conta que era apenas uma entre várias pessoas que assistiam a jogos dos norte-americanos Pete Sampras e Andre Agassi na década de 1990, quando a TV local já transmitia Grand Slams. “Todos conhecem Federer e Nadal. As pessoas sabem mais sobre os atletas estrangeiros do que sobre os paquistaneses.”

  • O efeito econômico e um duelo estranho

Se o veto aos jogos em casa provocou uma estagnação no desenvolvimento do esporte no país, o desempenho esportivo e a economia da federação local também foram afetadas. Sem poder atuar como mandante, o time atuou 16 confrontos consecutivos na condição de visitante.

A série só terminou em 2013, quando a FPT convenceu a ITF a deixá-la mandar o confronto contra a Nova Zelândia em campo neutro. O país escolhido foi Myanmar.

Foi um dos duelos mais estranhos da história da Copa Davis.

Aqeel Khan venceu o primeiro jogo contra Artem Sitak. Na segunda partida, com 1 a 1 em sets, Qureshi liderava a terceira parcial por 3 a 0 contra Daniel King-Turner quando o árbitro Asitha Attygala paralisou a partida. O juiz de Sri Lanka foi até uma das linhas de base da quadra e enfiou sua caneta em um buraco na grama, piso do duelo. Por questões estruturais, imediatamente determinou o encerramento daquele jogo, o cancelamento das partidas restantes e declarou vitória dos neozelandeses por 4 a 1. Insólito.

Os paquistaneses ainda mandaram mais dois duelos em campo neutro, em 2015, com vitórias sobre o Kuwait em Sri Lanka e sobre Taiwan na Turquia. O investimento da FPT ao alugar outras quadras foi de 4 milhões de rúpias (cerca de R$ 120 mil ou US$ 40 mil), alto para os padrões da entidade.

“[Jogar em casa] irá reviver o tênis no Paquistão no longo prazo. (…) Também conseguiremos patrocinadores e isso irá aumentar o interesse no esporte. Também pouparemos muito dinheiro”, declarou Khalid Rehmani, secretário da FPT, no ano passado ao Express Tribune.

  • A autorização para jogar

No fim do ano passado, após definição do confronto contra o Irã, a FPT entrou com o pedido na ITF para mandar em casa as partidas. Desta vez, a sinalização do órgão foi positiva. O Irã chegou a entrar com recurso, recusado pela federação internacional.

Na Copa Davis, as condições de segurança de cada um dos confrontos são analisados por um conselho de segurança independente da ITF.

“Com base nos pareceres recebidos dos consultores de segurança independentes da ITF, consideramos o ambiente em Islamabad propício para a realização de um duelo de Copa Davis sob diretrizes de segurança que a Federação de Tênis do Paquistão cumpriu”, explicou a ITF ao ESPN.com.br. “As diretrizes de segurança são enviadas a todas as nações mandantes, e há vários tipos de diretrizes, as quais são diferentes com base nos diferentes níveis de risco em cada país.”

As duas primeiras partidas de simples entre Paquistão e Irã seriam disputadas na madrugada desta sexta-feira no Brasil.

Dentro do contexto, vencer ou perder virou só um detalhe.