Ele estava na Série D, nem sabe como foi parar na Bolívia e hoje sonha com o Real Madrid: conheça o brasileiro que aterrorizou Atlético-MG e River Plate.
9 min readFrancisco De Laurentiis e Vladimir Bianchini, do ESPN.com.br
O atacante brasileiro Serginho teve uma mudança de vida daquelas neste ano.
Ele começou a temporada como reserva do Botafogo de Ribeirão Preto no Campeonato Paulista, marcando apenas um gol no torneio. Após o fim do Estadual, foi emprestado ao XV de Piracicaba para a disputa da Série D do Campeonato Brasileiro, e tinha como expectativa tentar um acesso à 3ª divisão.
No entanto, ele não esperava que, após apenas duas partidas pelo time piracicabano, fosse receber um convite do Jorge Wilstermann, da Bolívia, para disputar a Copa Libertadores, depois do clube de Cochabamba negociar o brasileiro Thomaz para o São Paulo.
Sem pensar duas vezes, Serginho embarcou nesta aventura. No entanto, até agora ele não sabe como o Wilstermann tomou conhecimento de seu futebol, nem como conseguiram seu contato para levá-lo para a Bolívia.
Segundo o atleta, que nesta quinta-feira encara o River Plate, em Buenos Aires, às 19h15 (de Brasília), pela volta das quartas de final da Libertadores, foi tudo “um milagre de Deus”.
“Foi um milagre de Deus vir para cá. Eu disputei o Paulistão pelo Botafogo e depois fui emprestado para o XV. Fui um pouco contrariado, mas o treinador era o Márcio Fernandes, que tinha me treinador no Botafogo e me pediu para ajudá-lo. Só que aí, 15 dias depois de chegar, eu recebi o convite do Wilstermann. Pra falar a verdade, no começo eu achei que era brincadeira”, conta Serginho, ao ESPN.com.br.
“Aí eu até perguntei: ‘Como meu material chegou na mão de vocês?’. Eles não sabiam! Mas de algum jeito o meu material apareceu na mesa do presidente. Eles estavam precisando de alguém para o lugar do Thomaz, e o meu perfil era o que eles procuravam. Eles me ligaram, negociamos e deu tudo certo, foi muito rápido. Foi só uma semana entre a primeira conversa e a mudança para Cochabamba”, relata.
Serginho garante que não tem mesmo a menor ideia de quem possa ter levado vídeos de seus gols e lances para os dirigentes do Jorge Wilstermann.
“Até hoje não sei como essas coisas foram parar lá, nem quem levou. Foi um milagre, cara! Foi Deus quem colocou meu material na mão deles (risos). Só sei que estou muito contente e feliz. Eles também me falam que até hoje não sabe como minhas coisas foram parar lá. Queria até saber quem foi para conhecer o cara e agradecer (risos)”, brinca.
- Aterrorizando Atlético-MG e River Plate
Logo em sua estreia com a camisa do Wilstermann, Serginho teve uma parada para lá de indigesta: o Atlético-MG, que havia terminado a primeira fase da Libertadores como a melhor equipe no geral. No entanto, o brasileiro não sentiu o peso da partida, vestiu a camisa 10 do clube boliviano e só não fez chover em Cochabamba, ajudando sua equipe a vencer o “Galo” por 1 a 0.
“Eu saí da água para o vinho. Estava na Série D e fui jogar a Libertadores em questão de um mês. Achei na verdade que iria demorar para eu ser escalado, mas fiquei 21 dias em adaptação e o treinador gostou de mim, já me colocando como titular contra o Atlético”, lembra.
“Fazer a estreia contra o time que havia feito a melhor campanha da fase de grupos e era um dos principais candidatos ao título foi complicado. Mas, com muita humildade e sabendo das nossas limitações, jogamos bem e conseguimos fazer o resultado em casa”, exalta.
Semanas depois, já tendo feito partidas pelo Campeonato Boliviano e estando mais adaptado à equipe, Serginho novamente foi titular em Minas Gerais e, de novo, jogou muito bem. Ele ajudou a segurar a bola e tirar o Wilstermann do sufoco imposto pelo Atlético, contribuindo para os bolivianos segurarem o 0 a 0 e eliminarem o clube alvinegro de maneira surpreendente.
“Soubemos nos defender muito bem fora de casa para garantir a vaga. Libertadores é isso! Conseguimos um feito histórico para o futebol boliviano, que foi eliminar uma equipe brasileira, algo inédito. Foi algo muito comemorado não só em Cochabamba, como em todo o país”, afirma.
Na fase seguinte, veio outra pedreira: o poderoso River Plate, da Argentina. Só que, novamente, Serginho jogou muito e o Jorge Wilstermann atropelou os Millonariospor 3 a 0 no jogo de ida das quartas de final, na semana passada.
“Foi um jogo empolgante! A cidade inteira parou. O nosso estádio já estava abarrotado três horas antes do jogo. Foi uma partida muito esperada em toda a Bolívia, e nós vencemos com méritos da maneira que foi. Bater uma equipe candidata ao título com tanta autoridade foi marcante!”, comemora.
Com o bom resultado da ida, os bolivianos podem até perder por dois gols de diferença nesta quinta-feira, no Monumental de Núñez, que ainda assim garantem a vaga a uma inédita semifinal da Libertadores. Ciente de sua responsabilidade como camisa 10 da equipe, Serginho pede pés no chão.
“Temos um grande placar na ida, mas não tem nada decidido. Eles jogam bem demais em casa. Temos eu ter a mesma humildade e seguir com os pés no chão para voltarmos da Argentina com a vaga”, pede.
- Sonho com o Real Madrid no Mundial de Clubes
Fazendo campanha surpreendente na Libertadores, o Wilstermann sonha, sim, com o título da competição da Conmebol, algo que seria inédito para o futebol boliviano. Muito disso graças a Serginho, que chegou assumindo a “bronca” e já virou o principal destaque do clube de Cochabamba.
“Sonhar grande e sonhar pequeno tem o mesmo preço (risos). Então, temos que sonhar com esse título, sim”, brada.
“Mas sabemos que temos que trabalhar muito. Libertadores não é fácil. Há muitos times de tradição e camisa pesada, e nós somos apenas uma equipe humilde, que está conquistando grandes feitos jogo a jogo. A gente não faz grandes projeções, vamos jogo a jogo, e esse é nosso diferencial. Sabemos que o título é algo palpável, então vamos trabalhar sério para isso e ver o que Deus prepara para nós”, profetiza.
Se ganhar a Libertadores, o Wilstermann terá a chance de enfrentar o Real Madrid, atual campeão da Uefa Champions League, no próximo Mundial de Clubes da Fifa.
Serginho não nega que os atletas do time da Bolívia sonham em chegar ao cobiçado torneio, mas pede muita calma nessa hora.
“Vamos devagar, devagarinho (risos). Por enquanto estamos focados na Libertadores e procuramos não pensar nisso. Temos que continuar sendo humildes e ficar com os pés plantados no chão. Antes de uma possível semifinal, final e de Mundial, tem o jogo de volta contra o River”, salienta.
- A vida em Cochabamba
A mudança de Piracicaba para Cochabamba alterou completamente a vida de Serginho. Afinal, hoje ele tem que jogar nas sempre complicadas altitudes de cidades como La Paz e Potosí, algo que os jogadores brasileiros não estão acostumados. O atacante, porém, diz que já está se adaptando.
“Eu tive que ficar 21 dias fazendo preparo físico antes de poder entrar em campo. Jogar em La Paz e Potosí é muito diferente, mas me adaptei bem. Os adversários sofrem muito quando vêm jogar aqui, principalmente argentinos e brasileiros. Precisa se preparar bastante, porque jogar aqui é complicado”, diz.
Apesar de Cochabamba não ser tão alta quanto as outras cidades do altiplano boliviano, Serginho sofreu um pouco no início.
“Nos primeiros dias era difícil até para dormir e descansar. Você fica com falta de ar o tempo todo, até mesmo quando está andando pela rua. E dá muita dor de cabeça”, conta.
“Mas minha família e eu estamos nos adaptando muito bem aqui. Meus filhos não falam espanhol, mas já estão na escola e aprendendo. Estamos muito feliz. Achamos que seria mais complicado, mas o pessoal foi muito carinhoso e receptivo. Estamos tendo uma vida muito legal aqui, ainda mais porque a cidade é gostosa de viver, com um clima muito agradável”, celebra.
Sobre a estrutura do Jorge Wilstermann, o brasileiro faz alguns elogios e também ressalvas.
“Não tem a mesma estrutura de time de ponta no Brasil, claro que não dá para comparar nesse sentido, mas eles têm uma estrutura bacana. Tem um bom CT e muitas melhorias estão acontecendo no clube. Até porque quando passamos pelo Atlético-MG entrou um dinheiro bom, então o presidente resolver investir no clube e reestruturar o CT”, revela.
“O Wilstermann é um clube modesto e humilde para os padrões brasileiros, mas é gigante na Bolívia, tem uma torcida enorme e muita história com jogadores brasileiros, como Jairzinho e Túlio Maravilha. Isso me ajudou bastante também”, cita.
- Quase jogou no Palmeiras e atuou em Angola
Hoje com 32 anos, Sérgio Henrique Francisco começou no futebol como muitos brasileiros: jogando bola na rua. Depois, entrou em uma escolinha e se destacou, sendo levado para fazer testes na base do Palmeiras.
“Eles selecionaram jogadores para ficar uma semana no CT. Eu fui selecionado, mas infelizmente não consegui ir e acabei perdendo a chance. Parei um tempo com o futebol, mas resolvi tentar de novo e fui fazer novos testes depois de uns quatro meses”, relembra.
Em seguida, ele foi aprovado no São Bento, de Sorocaba-SP, e no extinto Matsubara-PR, antes de se profissionalizar pelo Engenheiro Beltrão-PR, da 2ª divisão paranaense, aos 18 anos. Em seguida, passou por Linense-SP, entre 2006 e 2008, antes de encarar a aventura de jogar no Libolo, de Angola.
“Foi uma experiência de vida muito legal. Tive a chance de jogar a Championsafricana e vivemos grandes aventuras. A cidade em que eu morava era um pouco complicada, mas você acaba se adaptando por causa do futebol. Aprendi a valorizar tudo, e, no fim, foi tudo muito gratificante”, ressalta.
“O povo gosta muito de futebol e admira os brasileiros. Não é tão diferente do nosso país neste aspecto. Mas, para viver, às vezes era dureza. Para fazermos compras, por exemplo, tinha que viajar uns 300 km. Isso era bem complicado”, conta.
Em 2010, Serginho acertou com o Guaratinguetá-SP, mas levou um susto.
“Num exame de rotina, foi detectada uma virosa, que acabou causando alterações nos meus exames cardíacos. Por causa disso, tive que ficar três meses parado por precaução. Achei que poderiam me proibir de voltar ao futebol, mas fui abençoado e voltei a jogar em alto nível depois disso”, exalta.
Na sequência de sua carreira, ele passou por Mirassol, Red Bull Brasil, Arapongas, Boa Esporte, Brasiliense, Araxá, Mogi Mirim, Portuguesa, Linense e Botafogo-SP, que foi seu último clube antes de ir para o XV de Piracicaba e receber a ligação que lhe levou para o Jorge Wilstermann – e, talvez, para a maior conquista de sua carreira.