Família de Ary Graça faturou com negócios da CBV e da natação.Entenda o fato.
7 min readLúcio de Castro, especial para o ESPN.com.br.
Dinheiro público transformado em negócio de família. Dá-se a isso o nome de “patrimonialismo”. Práticas políticas e administrativas que não distinguem o bem coletivo e o privado. Quando um gestor faz uso de verbas do estado em usufruto próprio ou para os seus, transformando o que era um bem da república em patrimônio pessoal. Entender hoje a essência do funcionamento do esporte brasileiro e suas entidades é visitar esse conceito que perpassa a história do Brasil desde a colônia.
Nas linhas a seguir, você vai entender como uma confederação esportiva, financiada essencialmente com dinheiro de origem do estado (no último ano, R$ 41 milhões do Ministério do Esporte e um contrato com o Banco do Brasil estimado em R$ 60 milhões), transformou-se em um negócio de família. No butim da verba pública, o então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), Ary Graça, fez dois genros, casados com duas de suas filhas, serem prestadores de serviços e fornecedores para a entidade. E não só para a entidade que presidiu. Os tentáculos da ação em confraria se estenderam para a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Para tentar entender precisamente como a dotação republicana se transformou em dote, vale acompanhar esta novela “em família”.
Nos jogos das seleções de quadra como no circuito de vôlei de praia, o público recebe camisas do patrocinador, o Banco do Brasil (BB). Cerca de 80 mil camisas eram adquiridas anualmente diretamente pelo banco até 2005, quando, no contrato entre as partes (BB e CBV), passou a constar, confirmado com a assessoria da Diretoria de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, que o fornecimento seria dali em diante uma contrapartida da CBV para o BB pelo milionário patrocínio. Por algum tempo, a confecção que prestava serviço ao banco seguiu, até um representante da fábrica ser chamado a reunião em hotel no centro do Rio, próximo ao Aeroporto Santos Dumont. Não concordando com os novos termos propostos para fornecimento, o vínculo se encerrou.
Em 19 de março de 2010, Bruno Freire Moreira, casado com Roberta da Silva Graça, filha de Ary Graça (registro de casamento na 5ª Circunscrição, Copacabana), abriu a Acquatic Confecção de Artigos do Vestuário ltda. Os papéis ainda estavam frescos na Junta Comercial do Rio de Janeiro quando a nova firma conquistou um grande cliente: a CBV, presidida pelo sogro de Bruno Freire Moreira, que passou a produzir as camisas para torcida nos jogos das seleções, assim como no circuito de praia, onde também fornece os uniformes dos jogadores. De lá para cá, o amarelo que dá o tom dos ginásios e arenas Brasil afora saiu da caixa da entidade presidida pelo sogro e foi para a empresa do genro. Mesmo depois da saída de Ary Graça da CBV, como indicam os balanços da entidade.
Em família também é feito o negócio de transmissões de jogos que tem a chancela CBV na internet. Responsabilidade da LG Vídeo, que desde 2005 tem um segmento voltado para a internet e passou a ter o nome fantasia de ‘eventosaovivo’. Que faz as transmissões de jogos para a CBV. E tem entre seus sócios Bruno Beloch, casado com Fabiana da Silva Graça (registro de casamento na 12ª Circunscrição, Barra da Tijuca), também filha de Ary Graça.
As fronteiras dos negócios do genro de Ary Graça com transmissões ao vivo foram além do país. Também ficou com as transmissões de vôlei de quadra e praia na página da Confederação Sul Americana de Vôlei (CSV), onde desenvolveu a Voleysur TV. Ary Graça foi presidente da CSV entre os anos de 2003 e 2012 e como atual presidente da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) ainda mantém grande influência. Não é só Bruno Beloch que fincou os pés na CSV. Valmar Paes, pai do prefeito Eduardo Paes, ebeneficiado em grande contrato com a CBV mostrado no “Dossiê Vôlei”, é da Comissão Legal da CSV. A mesma reportagem mostrou que a prefeitura de Eduardo Paes, através da Riotur, pagou R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para “realização do GP Brasil de Turfe em 2001. Sem licitação, o documento foi assinado no dia 5 de outubro, dois dias antes da prova e beneficiou, como “organizadora”, a S4G Gestão de Eventos, cujas ligações com a CBV foram mostradas no “Dossiê Vôlei”.
Na época, Bruno Beloch, genro de Ary Graça, era diretor de marketing do Jóquei. Na ocasião, a reportagem questionou a prefeitura sobre o pagamento e ausência de licitação. Uma simples carta bastou para a liberação da verba. “O Jockey Club Brasileiro encaminhou uma carta à Riotur na qual apresentava a S4G Gestão de Eventos como empresa responsável pela organização do Grande Prêmio Brasil 2011. Como se trata de evento tradicional na cidade, a Riotur contribuiu para sua realização com uma verba de R$ 30 mil, pagos à empresa credenciada pelo JCB para a assinatura do contrato”, afirmou então a Riotur.
E não foram só as fronteiras do país que a empresa do genro de Ary Graça cruzou. Os limites do vôlei também foram ultrapassados e a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), presidida por Coaracy Nunes desde 1988 e com mandato até 2017, também contratou os serviços da ‘eventosaovivo’ e formou a TV CBDA.
A ligação de Ary Graça com Bruno Beloch não impediu o vínculo deste com a CBDA. Apesar da entidade máxima da natação brasileira ter seus convênios com o Ministério do Esporte fiscalizados por Ary Graça e a CBV. Exatamente isso: os convênios em que o Ministério do Esporte desembolsava quantias volumosas de dinheiro para a CBDA tinha como responsável pelo “acompanhamento e fiscalização” a CBV, indicada pela CBDA.
De acordo com o “Manual de Convênios” do Ministério do Esporte, os acordos, além de acompanhados por área técnica do próprio ministério, devem conter, por parte do beneficiado a indicação de “responsável pelo acompanhamento e fiscalização”, como indica o item 13.1. Assim, a CBDA indicou a CBV. A intenção, de acordo com o ministério, é o “incremento da rede de controle social”. A reportagem procurou o Ministério do Esporte, através da assessoria, para saber sobre o método de fiscalização que permite por exemplo a CBV fiscalizar a CBDA. Ary Graça fiscalizando Coaracy Nunes. Apesar de não enviar a resposta formal em tempo possível para publicação, o ministério adiantou que desde o último ano tal “ideia” foi abolida do edital de convênio.
Não foi só a contratação do genro de alguém que tinha a função fiscalizadora da CBDA que beneficiou a entidade presidida por Ary Graça. Os “Encontros Nacionais de Técnicos” que a CBDA promove anualmente já tiveram como vencedores da licitação para hospedagem o centro de treinamento da CBV, em Saquarema. Pelo qual a entidade de Coaracy Nunes pagava para a de Ary Graça, fiscalizado e fiscalizador, R$ 150 por um quarto single, R$ 120 pelo duplo e R$ 100 pelo triplo, além de R$ 14 pela refeição extra e R$ 10 por cabeça pelo “coffe-break”.
A reportagem procurou a CBV para saber sobre os critérios de contratação da Acquatic Confecção de Artigos do Vestuário ltda e da LG Vídeo ltda (eventosaovivo), sem obter resposta. A reportagem também procurou a CBDA para saber sobre critérios de contratação da LG Vídeo ltda, sem obter resposta. Questionou ainda se, sendo a CBV uma entidade fiscalizadora da CBDA nos convênios com o Ministério do Esporte, não era incompatível o processo de hospedagem em Saquarema, no centro da CBV, com desembolso financeiro. Também não obteve resposta.