Secretaria de Segurança Pública vai abrir inquérito para apurar agressão a jornalista; confira detalhes da confusão.
7 min readDo Zigzagdoesporte.com.br por ESPN.com.br com agência Gazeta Press.
As agressões sofridas e relatadas pelo repórter do Lance!, Bruno Cassucci, no último domingo, durante a cobertura do jogo entre Santos e Botafogo, na Vila Belmiro, serão apuradas através de um inquérito policial militar (IPM) que será aberto pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). “Se ficarem comprovadas as afirmações do repórter, os policiais serão punidos na forma da lei”, diz a nota oficial da SSP.
A polícia precisou agir em função de uma briga entre os torcedores dois times. Segundo a PM, 41 pessoas foram detidas, além de pedaços de pau, facas e drogas. Durante a ação, houve muita correria, bombas da gás de efeito moral e agressões. Torcedores que estavam no local buscavam refúgio em bares e casas ao redor do estádio Urbano Caldeira. Tudo ficou registrado no 7º DP de Santos.
Durante toda a confusão, o jornalista do Lance! Bruno Cassucci, que na ocasião estava empenhado na cobertura da partida e escalado pelo jornal diário para acompanhar o Botafogo, presenciou os fatos e se direcionou ao local. Porém, o repórter acabou agredido por um policial, teve todas as fotos de seu celular apagadas e ainda sofreu momentos de terror ao ter uma bomba de efeito moral colocada dentro de suas calças como forma de intimidação e ameaça, segundo descreveu o jornalista.
Nesta segunda-feira, Casssucci tentou registrar o Boletim de Ocorrência, mas não conseguiu e foi avisado de que o sistema estava fora do ar. Nesta terça, o profissional garante que voltará à delegacia.
Diante dos fatos, o diretor regional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, Carlos Ratton, protocolou um ofício no 6º BPM/I de Santos. Além disso, Ratton será recebido nesta terça-feira, às 11h, pelo Coronel PM Ricardo Ferreira de Jesus para tratar do assunto.
Leia o relato que o repórter Bruno Cassucci publicou em uma rede social:
“Não quero aparecer, muito menos levantar bandeira. Tenho minhas opiniões, sentimentos aflorados neste momento e a cabeça ainda confusa. Escrevo aqui não para fazer juízo de valor, nem generalizar uma classe que sei que é mal paga, mal equipada e que deveria servir a uma sociedade que em boa parte lhe detesta. Como jornalista, acredito que não há opinião sem informação, e é por isso que venho aqui relatar o que vivi na tarde desse domingo, na Vila Belmiro.
No pior dia da minha curtíssima carreira jornalística e um dos piores da minha vida, fui agredido, ameaçado e tive material jornalístico apagado por policiais militares. Pensei em escrever “censurado”, mas por mais que entenda que foi isso que aconteceu, sei que a censura no nosso país já foi muito pior no passado do que a que sofri hoje, de modo que não seria justo colocar tudo num mesmo balaio.
A ordem cronológica foi a seguinte:
Como setorista do Santos no LANCE!, fui escalado para fazer a cobertura da partida da equipe contra o Botafogo. Como os paulistas já não almejam nada neste ano e o clube carioca acabou rebaixado, fui designado a ir para o vestiário visitante após o jogo. Assim que cheguei lá, ouvi barulho de bombas na rua. Ciente da minha função e ignorando as corriqueiras orientações da dona Maria, minha mãe, fui até lá averiguar o que se passava. Não era possível ter certeza, mas tudo indicava que vândalos que se dizem torcedores das duas equipes estavam brigando.
Decidi não ir ao encontro da confusão, como já fiz em outras ocasiões, mas fiquei ali esperando. Passado um tempo, a polícia se concentrou e foi para o lado esquerdo, próximo à entrada principal da Vila e na rua onde fica a sede da organizada Sangue Jovem. Fui atrás, mas mantendo distância. Ali bombas de efeito moral foram arremessadas, e alguns santistas revidaram atirando garrafas e paus. A polícia invadiu a sede da organizada e era possível ouvir explosões e barulho de vidro estilhaçado. Um morador da vizinhança me chamou para dentro de sua casa. Fiquei pouco tempo ali e logo voltei para a rua, a fim de tentar entender – e consequentemente relatar – o que estava acontecendo.
Uma policial, então, me mandou sair “vazado”. Argumentei que eu estava trabalhando e ela retrucou: “Eu também. Dá linha, curioso!”
Voltei para a frente da casa na qual havia entrado e esperei as coisas se acalmarem. Já não se ouvia mais bombas ou disparos e decidi voltar para a frente da Sangue Jovem. Foi então que começou tudo.
Estava tirando fotos com o celular quando um policial me viu e, com a arma apontada para mim, gritou para eu encostar na parede, com as mãos para o alto. Eu disse que era jornalista, mas isso parece não ter ajudado, pelo contrário.
No procedimento padrão – ao qual já havia sido submetido em abordagens policiais no passado – fui revistado com certa agressividade, mas até aí tudo bem. Depois de verificar que eu estava “limpo”, o policial, já cercado por outros, pediu para eu abrir minha mochila, que também foi revistada. O passo seguinte foi tomar meu celular. O oficial pediu para eu desbloquear o aparelho e acessar as imagens. Ele então começou a apagar uma por uma. O procedimento durou uns cinco minutos, que pareceram eternos.
Enquanto ele fazia isso, uma outra autoridade pediu para eu não olhar para trás. Errei. Instintivamente, segundos depois eu acabei olhando para o celular e então fui agredido no rosto.
Depois, a policial que havia me abordado antes, aquela do “dá linha, curioso”, me disse que eu já tinha sido avisado. Eu novamente argumentei que estava ali trabalhando, e ela afirmou: “Eu também estou e você não respeitou meu trabalho”. Até agora não sei qual foi meu desrespeito.
Um outro oficial que se aproximou disse que eu estava ali para “defender torcedor” e que a mídia só mostrava quando a polícia bate “nesses caras”. A minha intenção era exatamente outra, ouvir algum responsável pela operação para tentar entender o que estava acontecendo.
Foi então que ocorreu a cena mais aterrorizante de toda a abordagem. Um PM aparentando muito nervosismo, se colocou entre mim e a parede, pegou uma bomba de efeito moral, puxou minha calça e a colocou dentro. “Você não é macho? Quero ver ser macho agora”. Como fiz durante todo o episódio, expliquei que era jornalista, pedi desculpas, o chamei de “senhor”. Ele falou mais algumas coisas que não me lembro agora e saiu.
Aliás, tudo isso aconteceu há cerca de quatro horas e eu já não lembro de diversos detalhes, pelo choque e medo, obviamente. Fiz questão de olhar o nome de todos, um por um, mas já me esqueci de boa parte. Aquela mesma policial percebeu quando eu olhei para a identificação dela e ironizou: “Quer levar para casa? Tenho várias outras, pode levar”.
Após apagar todas as fotos, o policial que me enquadrou mandou eu desligar o aparelho e tirar o chip e a bateria. Expliquei que era impossível no iphone e, graças a uma outra oficial que estava perto, ele acreditou.
Por fim, entreguei meu documento ao PM, que saiu e voltou instantes depois. Antes de ser liberado, ele me deu um recado, que começou com algo como “sei que você vem sempre aqui e eu também venho”. Não lembro a continuação, mas tenho a impressão que se tratava de uma ameaça.
Ouvi uma ou outra ofensa dos demais oficiais ali presentes e fui liberado.
Já estou em casa, sem qualquer arranhão no corpo, mas com a adrenalina ainda a mil. Poder abraçar minha mãe, jantar o que ela preparou e saber que nada pior aconteceu é tranquilizante. Saber que todos os dias abusos desse tipo e outros muito piores acontecem com gente que não sabe ou não tem como se expressar é o que preocupa. Sei de todos os privilégios que tenho por ser branco, não viver na periferia e ter tido a oportunidade de estudar. Se passo por situações como essa, com certeza há quem viva coisa muito pior diariamente.
O texto é longo, mas espero que meus amigos que há uns dias defenderam a ditadura militar nesta mesma rede social possam ler. Dispenso seu like, faço questão da sua reflexão”.