Antidoping no surfe: tolerância a maconha, punição a brasileiro e busca pelo profissionalismo. Entenda o fato.
4 min readTiago Leme, do Rio de Janeiro (RJ), para o ESPN.com.br.
Adotado pela WSL (Liga Mundial de Surfe) há apenas dois anos, o exame antidoping na modalidade ainda é motivo de debate entre os atletas e tem peculiaridades diferentes em relação a outros esportes. No surfe, existe uma tolerância para o uso das chamadas drogas recreativas, como maconha e cocaína. Em um momento em que se busca cada vez mais o profissionalismo, o uso de anabolizantes e substâncias para a melhora de desempenho, no entanto, é motivo para dura suspensão, como aconteceu no caso do brasileiro Raoni Monteiro.
A ASP (Associação dos Surfistas Profissionais) anunciou a implantação dos testes na elite em janeiro de 2012, seguindo as regras da Wada (Agência Mundial Antidoping). Porém, ao contrário do que acontece em outros esportes, como no futebol, quem testar positivo por ter fumado maconha só é punido a partir da terceira vez que for pego, já que é considerado que esta droga não dá vantagem à performance do surfista. Nas duas primeiras vezes, o atleta é advertido e passa por um programa de reabilitação.
“A filosofia do surfista é um pouco diferente da sociedade em relação a algumas drogas. Se o cara é pego com maconha, obviamente a punição dele vai ser bem menor do que se fosse com uma droga como anfetamina, ou alguma coisa assim, que tem um poder de reação de performance muito maior. No surfe, essas drogas de lazer não são enquadradas dentro do mesmo quesito, a gente separa elas, coisa que na sociedade não acontece”, explicou o ex-surfista Teco Paradaratz, bi campeão do WQS (2ª Divisão do surfe), que hoje é um dos organizadores da etapa brasileira do WCT no Rio de Janeiro.
“Mas eu acho importante os testes, nós estamos em um nível no surfe, envolvendo contratos milionários com os surfistas, é importante que todos eles deem o exemplo e que nenhum deles esteja se aproveitando. Ma em geral é importante mais para um questão de imagem mesmo, porque dificilmente uma droga no surfe vai fazer tanta diferença. O surfe é muito mais uma harmonia com o mar, uma soltura nas ondas, mais do que a determinação física. Eu acho que, se você faz por drogas de lazer é irresponsabilidade, e se você faz por drogas de perfomance é desnecessário”, completou Pararatz.
Os exames antidoping são feitos em média com dez surfistas em cada uma das 11 etapas no Circuito Mundial, em testes surpresa, em que os atletas são escolhidos aleatoriamente na hora da competição, sempre seguindo as normas da Wada.
Maior nome da história do surfe, o norte-americano Kelly Slater, 11 vezes campeão do mundo, disse não se importar com os testes, mas demonstrou certo incômodo com a pressão externa para se comprovar que a modalidade é limpa, ao ser questionado peloESPN.com.br sobre o tema.
“Eu acho que existe muita pressão de fora, porque somos um esporte profissional, estamos tentando aumentar o profisisonalismo no surfe. Então várias pessoas dizem: ‘você tem que fazer o teste, tem que mostrar que está limpo’. O objetivo é testar as pessoas para ver se elas estão trapaceando, mas não acho necessário invadir a vida pessoal para dizer o que você deve fazer ou não. Eu não sei, não vejo problema em ser testado, já fui testado quatro ou cinco vezes. Eu pessoalmente nunca achei que você vai surfar melhor tomando uma droga, você continua tendo que ir lá e escolher a onda certa. O surfe é muito mais habilidade do que força”, afirmou o veterano de 43 anos, que no fim, aos risos, ainda brincou sobre o assunto.
“É um pouco embaraçoso os caras ficare ali te vendo enquanto você faz xixi”.
Atual terceiro colocado no ranking do WCT e vencedor da etapa de Gold Coast (Austrália) este ano, o brasileiro Filipe Toledo lamentou a suspensão de Raoni Monteiro, mas se mostrou favorável à realização do antidoping para se tonar o surf cada vez mais profissional.
“Infelizmente, a gente teve essa notícia do Raoni, mas acho que é uma parada boa para o surfe, torna o esporte mais profissional ainda. É bom para que você possa estar correndo atrás, possa estar treinando, dando o seu melhor para ter um desempenho melhor, não tendo que usar coisas para se desempenhar melhor”, disse Filipinho, que também se mostrou contra o uso de maconha ou cocaína.
“Não sei exatamente como funciona a punição para isso, mas sei que a parada é ilícita, que não pode, queima o filme. Tem que ficar bem longe disso aí”.
Antes de Raoni, que foi suspenso por 20 meses por ter testado positivo para uma substância proibida de nome não divulgado, durante a etapa de Pipeline, no Havaí, em dezembro de 2014, apenas um outro surfista foi punido por doping. E foi outro brasileiro. Em 2005, Neco Paradatz, irmão de Teco, foi flagrado no exame com substância dopante durante etapa em Hossegor, na França. Em 2010, o havaiano Andy Irons, tricampeão mundial, morreu de overdose aos 32 anos.