Fora da Olimpíada, time feminino de hóquei acusa confederação de ‘machismo’. Entenda o fato.
6 min readJosé Edgar de Matos, do ESPN.com.br.
Um ano antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Brasil já sabe: o hóquei feminino sobre a grama não representará o país no evento. Sem a obrigatoriedade de ceder uma vaga ao país sede, a Federação Internacional (FIH) propôs à Confederação Brasileira da modalidade um desafio: tanto homens quanto mulheres precisavam alcançar uma determinada qualificação no ranking mundial para disputarem o evento. Contudo, apenas o time masculino teve a chance de conquistar esse objetivo
Pelo menos é o acusam jogadoras da equipe feminina ao ESPN.com.br.Com medo de represálias – como o veto em futuras convocações -, quatro atletas da seleção, que optaram pelo anonimato ao conversar com a reportagem, acusaram a confederação de privilegiar o time masculino um ano antes dos Jogos, quando o Brasil teria a chance de melhorar a qualificação e carimbar a vaga para o Rio de Janeiro.
A reportagem teve acesso a uma “carta-desabafo” assinada por 46 atletas profissionais de hóquei sobre a grama. No documento, as jogadoras acusam a CBHG de “falta de respeito” e tratamento privilegiado para o time masculino.
Veja a carta na íntegra aqui
O depoimento ainda critica veementemente a gestão de Sydney Rocha, presidente da entidade, e a postura de Cláudio Rocha, o técnico do time masculino e, segundo elas, o responsável pelo “sexismo” no hóquei nacional.
“O esporte em si tem mais praticantes mulheres do que homens no mundo todo. Mas não é por isso que queremos privilégios. Queremos um tratamento igualitário! Dar mais apoio ao masculino é um reflexo do machismo que temos dentro da nossa Comissão, pois no cenário do hóquei internacional, assim como na maioria dos esportes, ter uma equipe feminina tão competitiva quanto à masculina demonstra o nível real do esporte no país e o leva ao desenvolvimento de fato”, diz um dos trechos da carta.
Em relação aos números brutos, o objetivo imposto pela Federação Internacional tornava a missão feminina muito mais fácil. 41ª colocada no ranking na época, a equipe precisaria ganhar somente uma posição para garantir uma vaga nos Jogos. Já os homens, que possuem a 37ª posição, irão aos jogos se subirem sete degraus na classificação mundial, ou terminar entre os seis primeiros no Pan-Americano de Toronto.
A grande oportunidade para o time feminino alcançar o objetivo proposto pela Federação Internacional surgiu em setembro do ano passado, data de início da disputa da Liga Mundial de Hóquei sobre a Grama. A Confederação Brasileira alegou falta de verba para enviar a equipe para Guadalajara, mas, segundo as atletas, uma manobra para favorecer os interesses de Cláudio Rocha, técnico da seleção masculina, vetou a ida da equipe ao campeonato.
As atletas acusam o treinador, filho do presidente da confederação Sidney Rocha, de beneficiar diretamente o time masculino, especialmente neste ano, quando a CBHG recebeu o maior incentivo financeiro da história. Nunca antes da história do país o hóquei sobre a grama possuiu tanto capital para reforçar a prática das seleções e tentar subir o nível dos times rumo ao Rio de Janeiro.
Além do valor anual de R$ 1,9 milhão procedente da Lei Agnelo/Piva, para alavancar a modalidade a um ano dos Jogos, a entidade recebeu mais R$ 4,9 milhões do Ministério do Esporte – os números foram confirmados pela reportagem doESPN.com.br em contato com o própria entidade. A Confederação terá dois meses (entre janeiro e março de 2016) para prestar devidamente as contas deste mega-incentivo proposto pelo Governo Federal.
Esses valores só caíram na conta da confederação em virtude de um projeto apresentado pela CBHG ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Ministério do Esporte. A verba adquirida pelo convênio com a organização governamental foi toda destinada ao time masculino, que, desde o final do mês de fevereiro, realizou treinamentos na Europa para o Pan-Americano.
Enquanto o time masculino recebeu todo o apoio necessário – incluindo bolsas que chegaram até a R$ 57 mil reais para atletas -, o feminino precisou correr atrás de um investidor para viabilizar a participação na tal Liga Mundial. O interessado em apoiar o time feminino surgiu, em parceria com a Federação Catarinense da modalidade, mas as meninas sequer arrumaram as malas para Guadalajara, local da primeira fase da competição.
A CBHG pareceu aceitar o patrocínio, e as atletas aguardavam a definição da nova comissão técnica e de um cronograma para treinamentos. Entretanto, a confederação divulgou imediatamente uma relação de atletas convocadas, antes de qualquer teste físico ou técnico. Tal postura acabou reprovada pelos interessados em investir na equipe feminina, e o incentivo financeiro não veio.
As atletas da seleção acusam a convocação de ser direcionada, já que apenas quatro jogadoras de Santa Catarina acabaram chamadas – segundo as atletas, o estado que representa a principal força do hóquei sobre a grama no país -, enquanto seis do time de Cláudio Rocha no Rio de Janeiro apareceram na lista.
Diante de toda a insatisfação, a Confederação Brasileira de Hóquei sobre a Grama se defende.
“Não existe isso de machismo. Para mim é o contrário: o hóquei feminino é o nosso futuro. Não procede isso, não consigo entender essa postura das atletas, mas respeito. Quero que elas cresçam e tenham apoio nosso. Chega a ser absurdo falar de machismo. Elas não se classificaram por questões técnicas, não porque a gente não quis. Como Confederação é um desgosto não ter o time feminino”, garantiu Javier Rubin, diretor de comunicação da CBHG, em contato com a reportagem.
Desde maio na confederação, Javier garante que a entidade trabalha para a equipe feminina de maneira igualitária. “Estamos começando praticamente do zero. Nos próximos dias escolheremos o nosso treinador para fazer a preparação na Argentina, em agosto e setembro, com o grupo que será escolhido nos próximos dias”, disse o diretor.
Se as meninas receberão um incentivo dos homens – alguns atletas receberam R$ 57 mil pelos quatro meses de preparação na Europa (o time ficou entre o final de fevereiro até o fim de junho na Europa, chegando em Toronto para o Pan no último dia 2) -, o diretor de comunicação trata de não animar as atletas.
“A bolsa foi a preparação para o Pan, não foi a gente que decidiu. A gente decidiu em conjunto com o COB por conta da expectativa, posição no ranking. É a última chance da gente ter o hóquei na Olimpíada”, garantiu.